quarta-feira, 2 de abril de 2008

MEDO DE MAR


Pedi demissão. Trabalhava há pouco mais de um ano em uma gravadora multinacional e trilhava o caminho para me tornar um executivo do mercado fonográfico. Cansei. Agora percorro os trilhos da vagabundagem e posso me considerar um desempregado feliz. Meu futuro não será mais planejado em longo prazo. Amanhã, não sei como será. Tudo pode piorar, tudo pode melhorar. Estou na pista. Ou melhor, na areia da praia.

Vagabundo disciplinado, acordei às oito horas da manhã de ontem. Combinamos, eu e dois amigos, uma pequena viagem até a melhor praia do Rio de Janeiro, a Prainha – uma das poucas da cidade onde a areia não fede a chulé e não se encontra camisinha usada nem tampa de privada boiando na água. Há anos não experimentava o prazer de uma praia vazia em plena terça-feira. Como é boa essa vida de vagabundo!

No paraíso da Prainha, a água do mar é verde e clara como uma limonada. Não fosse a maré bravia, teria ficado boiando por horas de barriga pra cima feito um leão marinho preguiçoso no esquema “você deságua em mim e eu oceano”, bem cafajeste mesmo. Armamos a barraca para aliviar o calor do sol e sentamos nas cadeiras de praia. Desce uma cerveja, sobe um baseado. Que belezura. Ficamos sentados ali observando um maluco que se aventurava nas ondas de dois metros, equipado apenas com pés de pato.

Comentávamos a respeito da impavidez daquele sujeito quando lembrei de um episódio traumatizante vivido naquele mesmo mar, muitos anos atrás. Eu era adolescente e feliz proprietário de uma morey boogie, mas já me considerava um intrépido bodyboarder. E foi ali, na mesma Prainha, que cai na água e parti destemido pra cima da arrebentação. Furei as primeiras ondas e nem havia respirado direito quando dei de cara com uma morra colossal, a última onda da série. Tomei na cabeça. Passei alguns segundos liquidificando no fundo, batendo as costas na areia e engolindo um punhado de água e sal.

Voltei à superfície abrindo a boca para sugar o máximo possível de oxigênio para dentro dos pulmões, emitindo um urro desconcertante. Trepei na prancha e colei a testa em cima dela para retomar a consciência. Comecei então a sentir uma fisgada violenta na coxa direita: câimbra. A dor aguda impossibilitava qualquer movimento e por isso me distanciei da arrebentação. Um surfista adulto que remava por ali, notou o meu aperto e perguntou: “Ô muleque, tudo bem aí? Quer um empurrãozinho?”. Nem pensar! Imagina se eu, bodyboarder arrojado que era, toparia descer uma onda empurrado. “Não, não. Tá tranquilo. Tô só esperando a próxima série”, respondi. Que palhaço.

Meu orgulho seria tragado pelo oceano dez minutos depois, quando, ainda imóvel sobre a prancha, olhei para a direita e notei que uma enorme medusa boiava a poucos centímetros de minha perna paralisada. A medusa é um invertebrado aquático de corpo gelatinoso, em forma de guarda-sol. Uma água viva gigante, com tentáculos venenosos. A visão era aterrorizante. Mijei na sunga. E fiquei torcendo para que aquele monstro se afastasse dali. Mas aí me ocorreu que o odor da urina atrai tubarões e eu já estava bem afastado da praia, flutuando isolado. Presa fácil.

Sempre tive verdadeiro cagaço de tubarão. Acho que vi filmes demais quando era pequeno. A paranóia era tanta que eu chegava ao ridículo de nadar rápido dentro da piscina, com medo de ser abocanhado pela besta imaginária. Quando pulava pra fora da piscina, ofegante sobre a borda, e me perguntavam o que estava acontecendo, eu dizia que estava apostando corrida. Hoje, me recuso a mergulhar em alto-mar. Especialmente com óculos de mergulho que possibilitam enxergar ao longe. Imagino logo um cardume de tubarões se aproximando. Sei que o fundo do mar é maravilhoso, um outro mundo, com estrelinhas brilhantes, cavalos-marinhos minúsculos e conchinhas muito meigas, porém, não, obrigado. Tô fora.

Mas voltando àquela tarde adolescente na Prainha, o episódio da medusa e a paranóia do mijo me fizeram pedir arrego. Quando avistei aquele surfista novamente, deixei a vergonha de lado e pedi socorro. O cara era gente fina e foi solícito. Desceu da prancha e me empurrou na primeira onda que passou. Quando cheguei à beira, a perna ainda doía, e eu mal conseguia ficar em pé. As marolas varriam minhas canelas, a presilha enrolou-se nos meus pés e eu caí de cara na areia. Chegada triunfal. Uma dupla de jogadores de frescobol presenciou tudo. E não conseguiram conter o riso. Humilhado, tentei me levantar enquanto tropeçava nos pés de pato.

A sensação de derrota deu um ponto final prematuro à minha carreira de surfista. Mas o medo de mar persiste. E não apenas pelas feras que habitam o oceano. O simples fato de não enxergar o que está abaixo da superfície me incomoda profundamente. Mas hoje, pelo menos consigo nadar tranqüilo pelas piscinas do mundo.

Zé McGill

7 comentários:

Tati Cantinho disse...

Excelente! Prainha, 3a feira, bom demais! Vê se não some! Você já faz e vai fazer falta!!!
Beijos! Tati

Tati Cantinho disse...

Complementando... excelentes posts anteriores.
Natureza Selvagem é bom demais!
Bjos Tati (a Cantinho!)

Unknown disse...

God save the chronic!

Anônimo disse...

Eu precisava elogiar, sua resenha sobre o show de Ozzy foi maravilhosa! Hilária e inteligente, parabéns! Agora... medo de mar, só você, viu??? Porque se eu pudesse, seria sereia!!! Beijo!!

Anônimo disse...

qual adolescente não passou por uma dessa.jorge

Fabiana disse...

não te conheço, achei seu blog quando tentava encontrar as razões pelo meu medo de mar... as razões não encontrei... mas parecia que eu estava descrevendo meus próprios medos e aflições. Especialmente para o fato de sair correndo da piscina, rsrs..

Daniel da T R A N S E ! disse...

O maluco aí no texto flw e disse.... Como diz na música dos MUTANTES (Balada do louco)" Dizem que sou louco por pensar assim
Se eu sou muito louco por eu ser feliz
Mas louco é quem me diz
E não é feliz, não é feliz..."