domingo, 9 de agosto de 2009

M Ú Ú Ú Ú Ú


Outro dia saiu no jornal que a Secretária Municipal de Cultura, Jandira Feghali, teria dito que “o Rio de Janeiro voltou a ser a capital cultural do país”. É... Parece que o carioca tem mesmo essa mania feia de vender para o resto do mundo uma imagem sua que não reflete a realidade. Dizem que este aqui é o lugar onde as coisas acontecem primeiro, onde o povo é o mais caloroso na recepção à cultura, ponto de partida ou escala indispensável para o sujeito que pretenda consolidar sua carreira artística etc. Mas a realidade é bem diferente...

A realidade carioca é a cultura do hype, da pulseirinha VIP, dos modismos efêmeros e da falta de curiosidade. Especialmente na Zona Sul da cidade, onde a juventude bronzeada parece estar virando gado, apesar de sua condição financeira privilegiada e do acesso facilitado à informação.

Sábado à noite, se não ameaçar chover, é quase sempre o mesmo filme: os bois bronzeados seguem as vaquinhas bronzeadas e o gado inteiro vai comer capim naquela festa bombada, com músicas que bombam nas rádios, ou naquele show onde a pegação é garantida. A qualidade da música e do evento em si é o que menos importa. O negócio é fazer aquela social, ver e ser visto. O que interessa é dar beijo na boca, sacou, brother?

Nada contra o beijo na boca – pelo contrário –, mas, sair de casa é só isso?

É bom que fique claro: eu não me acho mais inteligente que você, oh, leitor macambúzio! Mas já percebi que existe no mundo globalizado e, especialmente, no Rio de Janeiro, um processo sinistro de emburrecimento geral que está tomando conta da situação.

Estou exagerando? Então, responda: você costuma sair de casa pra conferir o show de uma banda nova da qual você nunca tenha ouvido falar? Você tem interesse em uma festa onde os DJs não toquem músicas que bombam nas rádios? Você vence a preguiça e o preconceito contra aquilo que é de fato novo na música, na literatura, no cinema, nas artes plásticas, na cultura em geral? Se sua resposta foi positiva para as perguntas acima, saiba: és praticamente um super-herói carioca! E, infelizmente, uma exceção.

Mas se você se sentiu culpado, entenda que a culpa não é só sua. Você não tem nenhum grande veículo de comunicação que te mostre a diferença entre a melancia e a Mulher Melancia. Pelo contrário, em termos de cultura, tudo que chega com alguma facilidade ao seu conhecimento e da maioria dos brasileiros é reality show, música com jabá, filmes (na sua maioria, umas merdas) de Hollywood, mega eventos de qualidade duvidosa e informação preguiçosa ou tendenciosa.

Tomemos como exemplo o filme Se eu fosse você 2. Eu nem assisti, e não interessa agora se ele é bom ou ruim. Só que o filme tem atores Globais, um investimento forte de marketing etc. E aí as salas lotam na primeira semana. Em seguida, começam a divulgar o sucesso comercial da película e... boom! Sucesso total. Milhões de bois e vaquinhas comendo pipoca no escurinho do cinema. Enquanto isso, o filme sobre o Arnaldo Baptista (Lóki?), um dos caras mais importantes da cultura nacional, ganha três salinhas pequenas para exibição. Sai de cartaz em poucas semanas e quase ninguém assiste. Legal, né? MÚÚÚÚÚ...

E quem se lembra do show do Blur, no Metropolitan, em 1999? Eu estava lá e vi a decepção nos olhos do Damon Albarn (vocalista), quando pisou no palco e percebeu a falta de público no recinto. O cara colocou a mão direita sobre os olhos, como se estivesse procurando o público, e mandou no microfone: “Onde estão seus amigos?” Assim mesmo, o show foi fuderoso, histórico. Uma das maiores bandas de rock do mundo e o carioca cagou pra eles... Nunca mais voltaram. E o Radiohead? Lembra da capa da revista Rio Show na semana do show deles no Rio? Era a foto de um hambúrguer... De novo: um hambúrguer! Resultado: o show mais vazio da turnê latina da banda. MÚÚÚÚÚ...

E ainda insistem nessa baboseira de “capital cultural do país”! É muita arrogância para uma cidade onde existe meia dúzia de três ou quatro casas de shows decentes para apresentação de novas bandas, onde o teatro só enche quando a peça tem ator de novela e onde boa parte das crianças está fora das escolas. Esse complexo de superioridade que inundou São Sebastião é peça fundamental na máquina do emburrecimento.

E outra peça importante desta engrenagem é a falta de curiosidade. Sem a boa e necessária curiosidade, acontece como no show da Cat Power, domingo retrasado: lamentável fiasco de público. (Detalhe: o show lotou em São Paulo). Sem ela, as boas bandas gringas cancelam os shows no Rio e vão tocar em Curitiba. Sem ela, as novas bandas cariocas nunca vão tirar o pescoço da lama. Sem ela, as pessoas que encontramos nas festas de música alternativa (rock, eletrônica, africana, dos Bálcãs ou qualquer outro som) serão sempre aquela mesma meia dúzia de sete ou oito conhecidos. Sem curiosidade, o emburrecimento toma conta! Se liga, malandragem...

O Rio de Janeiro continua lindo e cheio de gente esperta, no bom sentido do termo. Mas, sem a tal da curiosidade, em breve estaremos todos mugindo uns para os outros nos currais VIPs da noite carioca. MÚÚÚÚÚ...

Zé McGill

* Originalmente publicado no Tico Tico, o site do programa roNca roNca, do Mauricio Valladares:

** E, antes do Tico Tico (em versão reduzida), no blog do Rio Fanzine (O Globo):

*** Frank Sinatra não tem nada com isso... Fly me to the moon!