segunda-feira, 24 de março de 2008

NA NATUREZA SELVAGEM


Aluguei o filme Na natureza selvagem um mês antes dele chegar aos cinemas. Minha locadora tem uma seção de DVDs área 1, e ali, geralmente encontro filmes sem legendas em português que acabaram de ser lançados nos seus países de origem. Levo-os para casa e assisto no meu Playstation 2. Assim como no caso do diretor Sean Penn, que confessou ter julgado o livro original de Jon Krakauer pela capa no ato da compra, julguei o filme pela foto da caixinha do DVD. E foi o melhor chute que dei nos últimos tempos.

Na Natureza Selvagem (Into the Wild, em inglês), é baseado na estória real do jovem Chris McCandless, que logo após a formatura, decide doar todas as suas economias - 24 mil dólares - a uma instituição de caridade. Em seguida, cai na estrada rumo ao oeste norte-americano e, sobretudo, em busca de uma aventura solitária na friagem do Alasca, onde pretendia viver da terra por alguns meses.

Entretanto, ao contrário do que se poderia presumir, nosso protagonista não era nenhum hippie doidão. Além de melhor aluno da classe, McCandless era um cara determinado. Quando decidiu mandar o foda-se para as agruras da sociedade, levou o negócio a sério: queimou o pouco de dinheiro que lhe restava, cortou a carteira de identidade em pedacinhos e adotou um novo nome. Isso é que é ser punk.

Apesar de radical, McCandless era dono de uma personalidade cativante e de um espírito libertário contagiante. Ao longo de sua jornada pelo oeste, deparou-se com diversos personagens, e não é difícil notar as marcas profundas que o jovem de vinte e poucos anos deixava nas pessoas que cruzavam seu caminho.

Entre eles, vale citar um casal de coroas hippies que supera suas crises de relacionamento com a ajuda do garoto, uma cantora adolescente que se apaixona por ele e um velhinho solitário que propõe adotá-lo. Este velhinho, por sinal, dá um banho de interpretação. O ator, Hal Holbrook, foi indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante por este papel, e só perdeu para o imbatível Javier Bardem, de Onde os fracos não têm vez.

Sobre o ator principal, o sujeito que interpreta Chris McCandless, vale atentar para o que o diretor Sean Penn - um dos caras mais legais de Hollywood - tem a dizer: "Ele é muito talentoso. Esta foi a performance mais significativa de um jovem ator por várias gerações". O nome da fera é Emile Hirsch (foto), que despertou a atenção de Penn por seu desempenho em Os Reis de Dogtown. Sua atuação é de fato marcante em Na Natureza Selvagem. Alguns dirão que trata-se do novo Leonardo DiCaprio...

A trilha sonora é um parágrafo à parte. O papel das trilhas no cinema é colaborar com a construção do clima. E foi isso o que fez Eddie Vedder, o vocalista do Pearl Jam, em seu primeiro disco solo. Sim, a trilha do filme tornou-se o primeiro álbum de uma carreira que promete. Para este trabalho, Vedder parece ter incorporado o espírito do protagonista e compôs preciosidades como No Ceiling, Hard Sun e Society, que nada ficam a dever às melhores baladas da banda de Seattle.

Talvez o único desacerto de Sean Penn ao transpor o livro de Krakauer e a história de McCandless para a telona tenha sido o fato de focalizar demais as atenções na crise familiar do rapaz. O enredo dá margem a uma conclusão equivocada de que sua fuga seria essencialmente fundamentada na raiva e decepção que alimentava com relação aos pais.

De fato, a descoberta por McCandless de que seu pai (William Hurt, no filme) tinha uma outra família enquanto o criava, gerou no garoto uma revolta até compreensível. Afinal, a descoberta da condição de “bastardo” não deve ser uma surpresa agradável. Mas o diretor e o roteirista parecem ter relegado a segundo plano a indignação essencial do personagem que, na verdade, era voltada para a hipocrisia e as futilidades de seus pais, da sociedade, do mundo. Estas foram as grandes motivações de sua fuga. E o cara teve a coragem de fazer o que eu, você, todos nós já tivemos vontade de fazer um dia, mas não tivemos coragem: largar tudo.

A qualidade de um filme pode ser medida pela edição, pelo roteiro, pela fotografia - que, aliás, é arrasadora neste filme - ou pelo trabalho dos atores e do diretor. Mas o que faz um filme marcar a vida das pessoas é o impacto que ele causa. E o impacto que me causou Na Natureza Selvagem fez com que eu corresse à livraria mais próxima no dia seguinte em busca do livro e do CD da trilha sonora. Quase dois meses após aquela minha ida à locadora, continuo pensando no filme todos os dias.


Zé McGill


*Este texto foi publicado na revista ROCK PRESS em 20/03/08. Segue o link:

Um comentário:

Anônimo disse...

Filme expetacular!