domingo, 9 de março de 2008

A METEOROLOGIA DA VIDA


A previsão é de chuva para o final de semana. Por isso mesmo, abro o armário e saco um par de chinelos e uma bermuda. Vou à praia. Não acredito mais na meteorologia: não desde a última vez em que realmente confiei nela - e fui traído.

Meu casamento estava em ruínas e eu procurava um jeito de melhorar as coisas. Pensei que um final de semana na praia, com cerveja, camarão, uma cama gostosa numa pousada, e muito sol, nos faria bem. Consultei a previsão do tempo na Internet e fiquei animado: sol de sexta a domingo. Beleza. Então vamos nessa. Reservei o quarto e partimos os dois para Trindade, no litoral do Rio, ao cair da noite de sexta-feira. Dirigi por quatro horas consecutivas enquanto ela, imersa em sono profundo, babava no vidro do carona.

Acordamos cedo com a luz do sol entrando pela janela e esquentando nossos pés. A pousada ficava na beira da praia e, portanto, o preço da diária era hediondo. Gastei o que não tinha e me afundei ainda mais no cheque especial, mas tudo bem. Tudo ótimo. Precisávamos quebrar a rotina de trabalho-casa-trabalho e o dinheiro seria o último obstáculo. O primeiro seria uma gangue de nuvens negras que se aproximava da praia no momento em que erguíamos os nossos copos para o brinde.

Foram pouco mais de quinze minutos de sol antes que a chuva começasse a aguar nossa cerveja. E ainda tivemos que aturar um grupo de turistas paulistas histéricos que rolavam bêbados pela areia a poucos metros de nós. O resto do final de semana foi todo aguado. Fracasso total.

Os meteorologistas e a chuva não foram os responsáveis exclusivos pelo fiasco daquela excursão praiana, mas o fato é que o casamento acabou um mês depois. O clima de Trindade não ajudou, só que a real crise climática era entre nós dois. Na verdade, faltava clima havia um bom tempo. E clima não pode faltar a um casal. De fato, clima é vital.

O clima é essencial no amor, no sexo, no trabalho, nas relações entre as pessoas, na música, no cinema, na literatura, nas fotografias e até mesmo no futebol. Imagine uma final de campeonato com estádio vazio, sem provocações entre as torcidas, sem o nervosismo da véspera que toma conta de todos os envolvidos na decisão. Sem isso tudo, não há emoção. Não há clima.

Meu filme favorito me ganhou no clima. Chama-se Down by law. Rodado em preto e branco, e dirigido por Jim Jarmusch, logo na primeira cena a câmera desliza pelas ruas de um bairro pobre e faz com que o espectador sinta-se dentro de um carro espiando pela janela, absorto na atmosfera soturna do submundo. Isso ao som de Jockey full of bourbon – uma música sombria de Tom Waits – outro monstro do clima. O filme conta a estória de um cafetão (John Lurie), um DJ (Tom Waits) e um turista italiano aloprado (Roberto Benigni) que se conhecem na prisão e fogem dela juntos, pelo pântano. É clima do iníco ao fim.

No sexo também. Clima é fundamental. Uma vez fui para a cama com uma menina linda, alguns anos mais nova que eu. Era noite de Natal e ela promoveu uma daquelas festas em que as pessoas vão para se embebedar após a ceia com a família. Estávamos curtindo um amasso quente num canto escuro da sala quando ela me pegou pela mão e me levou para o quarto dela.

O recinto era decorado com cores fresquinhas como amarelo claro e rosa-bebê. Notei que dezenas de bichinhos de pelúcia me fitavam com olhos plastificados e cheios de ternura. Então ela ligou o ar-condicionado numa temperatura congelante e tirou a calcinha. Fiquei analisando os pentelhos ruivos dela por alguns segundos enquanto ouvia as risadas embriagadas dos convidados na sala-de-jantar. Finalmente parti pra cima dela e... brochei. Pois é, não tinha clima. Acho que a culpa foi daqueles bichinhos de pelúcia.

Criar clima pode ser uma tarefa árdua. O sujeito pode até recorrer ao uso de uma luz especial, música, incenso e entorpecentes, mas o genuíno clima perfeito geralmente é espontâneo e natural. Talvez por isso eu prefira a chuva ao sol. A chuva tem uma capacidade singular de criar clima. Me dá prazer assistí-la cair pela janela no final da tarde e escutar o ruído causado pelo contato dos pingos com o solo. O cheiro da terra molhada, o vazio silencioso das ruas, a purificação do ar. Isso tudo me dá um certo barato. Já o sol me deixa inquieto. Faz com que eu me sinta na obrigação de sair pra rua.

De hoje em diante, vou viver em busca dos climas. Vou estudar a meteorologia da vida. Não vou mais cometer a audácia de tentar prever o comportamento da natureza, e nunca mais vou consultar a previsão do tempo.

Zé McGill

*Clique aqui e assista a um trecho do filme Down by law, no Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=isLpP4XN0MM

15 comentários:

Revista Foda-se disse...
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Revista Foda-se disse...

Fiquei me sentindo culpado por ter falado tão pouco sobre música num texto que trata de clima...

Lá vai então uma pequena lista desordenada de indispensáveis músicas e álbuns "climáticos":

Músicas:
Estate Violenta (Fausto Papeti)
Freedom (Charles Mingus)
Aht Uh Mi Hed (Shuggie Otis)
Long Long Long (Beatles)
Glory Box (Portishead)
Ballad Of A Thin Man (Bob Dylan) Ando Meio Desligado (Mutantes)
My Drag (Squirrel Nut Zippers)
Death of a Party (Blur)
No Quarter (Led Zeppelin)

Álbuns:
Dub Rockers Delight (Sly & Robbie)
The In Sound From Way Out! (Beastie Boys)
Good God's Urge (Porno For Pyros)
Bossanova (Pixies)
Clandestino (Manu Chao)
Transa (Caetano Veloso)
Rain Dogs (Tom Waits)
Tábua de Esmeraldas (Jorge Ben)
Blood Sugar Sex Magik (Red Hot Chili Peppers)
Racional (Tim Maia)

Certamente me esqueci de vários...

Lembrou de outro (a)? Coloque aí embaixo...
Abs

Anônimo disse...

Grande Zé.
Muito bom o texto, o mais legal é que imagino você falando e monto facilmente as histórias na minha cabeça. Você sabe que fiquei triste com o término do casório, né?! mas confesso que caí na gargalhada.
Continue escrevendo que tá foda esse foda-se.
Porra, essas músicas são ouro, tem coisa que nem conheço, vou dar uma pesquisada.
Bora marcar um "choop".
Abraços,
Duduzinho

Anônimo disse...

Eu acho o Monsieur Gainsbourg Revisited bem criador de clima. Mas aí é apelação porque, no meu mundo, Serge já é o homem-clima.

Anônimo disse...

Imagina. Agradecidas ficamos nós pela visita. E o problema do mundoé o analfabetismo funcional. Nêgo vê escrito "boceta" e já sai tudo gritado "OMG! CALÚNIA! DIFAMAÇÃO! HEREGE! QUEIME NO INFERNO!" Oi, bora aprender a ler, galera?

Anônimo disse...

Espero que a parte em que eu durmo no banco do carona seja pura licença poética.

um beijo!

Anônimo disse...
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Anônimo disse...
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Anônimo disse...
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Anônimo disse...
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Anônimo disse...
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Anônimo disse...
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Revista Foda-se disse...
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Anônimo disse...
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Biu disse...

curiosamente começou a chover enquanto eu lia esse post.
Beijão, Zé.