quarta-feira, 25 de junho de 2008

QUEM TEM DOR DE BARRIGA VAI A ROMA


Acordei às 9 da manhã em Roma. Eu havia chegado na madrugada anterior e seguido direto para a cama do hotel duas estrelas. Naquela manhã, nem o Coliseu nem o Vaticano eram prioridades. No império da minha mente, o assunto monumental era o resultado do jogo da noite anterior entre Flamengo e América do México, pela Taça Libertadores.

Abri na Internet o site de um jornal brasileiro e veio a surpresa, a catástrofe em manchete: “Tragédia no Maracanã: Fla é Eliminado pelo América do México”. “Pronto. E agora, com que cara eu vou pro Coliseu?”, me perguntei. Que bosta... Eu bem que havia avisado na Revista Foda-se sobre o perigo de ganhar o Campeonato Carioca. É sempre assim: um oba-oba patife que compromete o rendimento do time no restante da temporada. Agora, concordo com a faixa que vem sendo estendida pela torcida em dia de jogo, que diz o seguinte: O Brasileiro é obrigação!

Saí pelas ruas de Roma ainda atordoado com a notícia. Entre um monumento e outro, a lembrança da derrota me esfaqueava. Ao meio-dia, cheguei ao famoso restaurante Il Vero Alfredo – onde inventaram o Fettucinne Alfredo. Pedi o prato tradicional e foi, de fato, a melhor macarronada que já provei. A receita parece simples: um fettuccine especial passado na manteiga e com muito queijo. Entre uma garfada e outra, proferia xingamentos silenciosos ao técnico Joel Santana.

Foi somente quando adentrei o Coliseu, algumas horas mais tarde, que os pensamentos começaram a tomar outro rumo. Dentro daquela arena em ruínas, que não tem a metade do tamanho do Maracanã, as sensações variavam entre admiração e desgosto. Ao mesmo tempo em que eu contemplava a beleza e a preservação daquele monumento de dois mil anos de idade, concluía que a humanidade já era uma merda desde o início dos tempos. Afinal, o Coliseu fora construído para que a massa se deliciasse com um espetáculo sanguinolento onde, entre outras atrações, panteras e leões devoravam homens desafortunados para delírio e aplausos da multidão. Ali, a morte era celebrada como um gol. E, dois mil anos depois, pude sentir a energia pesada que ainda pairava no ar.

Eu estava de pé, na parte superior do Coliseu, imaginando que seria interessante ver dentro da arena o tal do Cabañas, o atacante paraguaio, carrasco rubro-negro, correndo em fuga desesperada dos leões, quando senti a primeira pontada na barriga. Pontada fulminante, daquelas que não deixam dúvida: vem aí uma dor de barriga agressiva que resultará em caganeira crônica. “Foi o fettuccine”, acusei. Desde de criança sei que não posso comer muito queijo, mas insisto em ignorar esta espécie de alergia em benefício do prazer do paladar. O resultado é quase sempre o mesmo: uma meia-dúzia de três ou quatro viagens à privada.

Comecei a lembrar daquela macarronada amarela e pegajosa e veio então a segunda pontada. A minha situação intestinal tornava-se crítica e eu precisava urgentemente encontrar um banheiro. Pelos meus cálculos de cagão experiente, restavam-me cerca de dez minutos antes da erupção. Mas eu estava dentro do Coliseu e sabia que a maioria das pessoas não entra ali em busca de um trono romano. Encontrar uma privada seria tarefa árdua. Portanto, recolhi minha câmera fotográfica e tomei a escadaria que levava ao piso inferior da construção, na altura da rua. Descendo os degraus, eu já suava frio e pensava que aquilo só podia ser um castigo dos antigos imperadores romanos. Trajano, Vespasiano e Domiciano haviam captado o meu desdém por sua empresa colossal e estavam me punindo.

Quando atingi o piso inferior, notei que um homem e uma mulher caminhavam na minha direção. Custei um pouco a perceber que tratava-se de um casal que havia trabalhado comigo no meu último emprego no Brasil! Aliás, eu nem sabia que os dois formavam um casal. Acho que aquilo foi, na verdade, um flagrante. Uma coincidência das mais violentas, tanto para eles, que provavelmente não esperavam encontrar alguém conhecido dentro do Coliseu, quanto para mim, que naquele momento não pensava em outra coisa que não encontrar uma latrina.

Trocamos cumprimentos e falamos sobre o pessoal do trabalho antigo: “Ahh... aquele meu ex-chefe... que figura... hahaha”. Eu soltava este tipo de comentário e não achava a menor graça. Durante os cinco minutos do encontro eu só conseguia pensar no fettuccine que borbulhava dentro da barriga. Meus olhos circulavam frenéticos pelo Coliseu em busca de uma placa de WC. Eu estava pálido. Precisava sair dali depressa se não quisesse me borrar diante dos ex-companheiros de trabalho. Acho que eles finalmente notaram o desconforto na minha cara e inventaram alguma desculpa para se despedir.

Eu agora estava livre para correr. Acelerei o passo e comecei a rodar o Coliseu em busca do alívio. Nada de placa, nada de banheiro. Pânico. Minha visão tornava-se cada vez mais turva e eu estava ficando zonzo. Foi então que avistei um guarda e perguntei-lhe sobre o caminho para a minha salvação. Ele indicou a direção dos banheiros e eu disparei. No meio do caminho, um grupo de turistas japoneses obstruia a passagem. Estavam todos amontoados, fotografando alguma estátua e soltando em uníssono um típico “Ooooohhhh!”. Ali eu virei um gladiador. Cada segundo era precioso e não seria um grupo de turistas japoneses que me impediria de vencer aquela batalha. Praticamente atropelei um adolescente oriental e continuei a correria sem olhar para trás.

Avistei a casinha quando o fettucinne já havia se transformado em Mike Tyson dentro de mim. Digladiamos por mais dois minutos, eu e Tyson, na fila do banheiro químico. Quando finalmente chegou a minha vez, sentei no trono de plástico e pensei em Trajano, Vespasiano e Domiciano. Em nome de todos os infelizes que um dia perderam suas vidas em benefício do prazer sarcástico destes imperadores, aqui estava a minha vingança, depositada com grande satisfação no caldeirão do império romano. Caguei pro Coliseu. Ou melhor, caguei no Coliseu.

Zé McGill