terça-feira, 8 de abril de 2008

COMIDA CHINESA PARA OZZY OSBOURNE


Era horário de almoço no restaurante de comida chinesa em que eu trabalhava como entregador, em Berverly Hills, Los Angeles, 1998. Entediado com o movimento fraco daquela tarde, eu aguardava a próxima entrega esparramado sobre a cadeira. Estava quase caindo no sono quando o telefone tocou. A atendente anotou o pedido e colocou duas sacolas grandes sobre o balcão. No cartão que vinha grampeado em uma das sacolas, o nome do cliente: Osbourne.

Ozzy e sua família viviam em uma mansão situada a poucos quarteirões do restaurante, e eu já os havia visto freqüentando o local. Gostavam da comida refinada do Chin Chin, especialmente do Tangerine Beef, que estava entre os pratos daquele pedido. Só poderia ser ele, pensei. Levantei da cadeira e procurei pelos dois argentinos que trabalhavam comigo como entregadores. Não estavam na área. O caminho estava livre e aquela entrega seria minha. Os argentinos eram gente boa, e a vez da entrega era de um deles, mas não é todo dia que se leva comida para Ozzy Osbourne. Portanto, agarrei as duas sacolas e corri desembestado para o carro.

Girei a chave e dei a partida no motor do meu Ford Festiva vermelho – um modelo idêntico ao Fiat Uno brasileiro. No caminho até a Beverly Drive, rua onde ficava a residência dos Osbourne, senti meus pés tremerem levemente sobre os pedais do acelerador e embreagem. Eu estava tenso. Olhei para as duas sacolas gordas sentadas no banco do carona e ri sozinho, imaginando se ali dentro haveria algum prato preparado à base de morcegos. O Príncipe das Trevas havia encomendado cento e vinte dólares de comida.

Foram menos de dez minutos até a intimidadora mansão branca de Ozzy. Desliguei o motor e fiquei mirando a casa por alguns segundos, de dentro do carro. Quando saltei, com uma sacola pesada em cada mão, me senti como o sujeito da foto da capa do filme O exorcista. Entrei pelo jardim e apertei o botão da campainha. Esperei uns cinco minutos até que Jack – o filho mais velho – abrisse a porta. Cumprimentei o gordinho que, no auge de sua adolescência, parecia uma bolinha de meleca, cheio de espinhas na cara. Ele olhou para as sacolas de comida, arrancou-as das minhas mãos, e saiu gritando pela casa: “Daddy, daddy, food is here” (“Papai, papai, a comida chegou”).

Fiquei em pé ali, espiando o hall de entrada daquele palácio por alguns segundos. De repente, senti uma mão tocar o meu ombro direito. Quando me virei, ali estava Ozzy, com um regador de plantas na mão, todo vestido de preto. Ele estava cuidando do jardim, mas eu não notara sua presença quando passei por ali. “Hello. Please wait here” (“Olá. Por favor, aguarde aqui”), pediu com sotaque britânico carregado. Observei enquanto Ozzy arrastava uma das pernas até um armário no canto da sala. Abriu uma das gavetas e, sem contar, puxou um bolo de notas verdes para o pagamento da comida.

Enquanto isso, eu tentava pensar em alguma coisa legal para dizer ao homem de preto. Eu era, e ainda sou, fã do Black Sabbath – grupo que ele ajudou a formar na Inglaterra, na década de 60. Mas quando ele voltou com o dinheiro, não consegui dizer nada melhor que: “Hey Ozzy, eu sou seu fã. Eu sou do Brasil e é uma honra entregar comida para você”. A resposta do Ozzy não poderia ser melhor: “Whatever”. O whatever dele era uma forma sutil de dizer: Foda-se. Eu não estou interessado. Tchau.

Saí de lá feliz da vida. Liguei o som do carro no volume máximo e coloquei uma fita cassete com minha música favorita do Sabbath, Sweet Leaf. Antes de partir, contei o dinheiro e constatei que Ozzy havia me presenteado com oitenta dólares de gorjeta! Foi a maior gorjeta que recebi em quase um ano como entregador. E o whatever que recebi foi ainda melhor. Até que foi merecido.

Quase dez anos depois, na última quinta-feira, fui conferir o show do Ozzy na HSBC Arena (RJ), em noite chuvosa. Antes da apresentação, o telão exibiu alguns esquetes em que Ozzy aparece escrotizando filmes como A rainha e seriados como Lost. É de mijar de rir. Em seguida, as luzes se apagaram e o clima ficou por conta de Carmina Burana nos alto-falantes. Clichezão safado.

A primeira música do set list foi I Don’t Want to Stop, do recém-lançado álbum Black Rain – o primeiro em que Ozzy garante ter composto e cantado as músicas 100% sóbrio. Mas sobriedade não significa caretice para o quase sexagenário Sr. Osbourne. E o show dele é diversão garantida. Entre uma música e outra, chegava ao microfone para dizer: “Let’s go fucking crazy!!”. Não faltaram baldes d’água atirados contra a platéia, tampouco os chifrinhos vermelhos de diabo enfiados na cabeleira. Ah, ele também mostrou a bunda murcha para o público.

A noite seguiu com sucessos de sua carreira solo como Bark at the Moon e Mr. Crowley, que foram recebidos com entusiasmo pela juventude metaleira. Aliás, mais uma vez, o preço hediondo dos ingressos (pista = R$180,00) espantou muita gente. Nem mesmo os dois shows de abertura - Black Label Society e Korn – foram suficientes para assegurar a lotação máxima da casa. Já está na hora de reverem o esquema das carteirinhas de estudante, porque o feitiço virou contra o feiticeiro: os estudantes acabam pagando um valor maquiado que na verdade deveria corresponder ao preço cheio dos ingressos. E quem não é estudante paga o pato.

Mas vamos voltar ao que interessa: - pelo menos para mim, o que realmente interessava ali era escutar alguns clássicos do Black Sabbath. Então, tome War Pigs, Iron Man e Paranoid – esta última fechando o show, com direito à rodinha de porrada. Tá bom? Ainda Não? Então leva de lambuja a melhor música da carreira solo do Ozzy, No More Tears, que não fazia parte do repertório oficial da turnê. Pronto. Agora sim. Já valeu a pena.

Eu esperava uma banda afiada e um cantor com as cordas vocais comprometidas pelo tempo. Mas o que vi foi justamente o contrário. Enquanto os músicos escorregavam em seus instrumentos, Ozzy Osbourne garantia o espetáculo com os olhos esbugalhados e a inconfundível voz esganiçada em perfeitas condições. Por outro lado, o som do P.A. estava embolado e ainda tivemos todos que aturar longos minutos de um exibicionismo desnecessário do guitarrista Zakk Wilde, num solo masturbador interminável.

Isso, sem falar nas faixas que poderiam ter sido poupadas, como a balada de gosto duvidoso Mama I’m Coming Home e o hard rock farofeiro I Don’t Want to Change the World. Aí, foi a minha vez de ir à forra. Foi a minha vez de olhar de lado e dizer: Whatever, Ozzy.


Zé McGill


*Ozzy escrotizando no Youtube:

**Este texto foi publicado na revista Rock Press (06/04/2008): http://www.rockpress.com.br/modules.php?name=News&file=article&sid=2478

3 comentários:

Unknown disse...

Hahaha boa...
Melhor um wharever do que o que ele não cansou de repetir aqui em SP: "I love you all"... poxa isso não é nada rock'n'roll...
cadê o ódio, a boca suja, a raiva, a grosseria???
rsrsrsrs
valeu!

Revista Foda-se disse...

Pode crer, Susan!

Mas pior que ouvir "I love you all" é ouvir "Hello Riou de Djaneirou!!!" em começo de show de banda gringa... aí é de foder...
Abs

vigusmao disse...

Fala, Zé.

Achei seu blog, do nada, no meio dessa zoeira internética. Fora de série a sua escrita. Parabéns.

Ficaria feliz se, em algum momento, você desse uma passada para conferir qualquer coisa dos meus escritos. Algo me diz que você vai curtir. O blog é o cronicasdebicicleta.com.

Abração,
Vinícius.