Lá estava eu comandando as carrapetas no meu primeiro trabalho como DJ em uma festa particular. Passava das onze da noite e a pista de sinteco da sala começava a fumegar naquele apartamento ancião da praia do Flamengo. Entre uns goles na latinha de cerveja e umas espiadas na vista panorâmica da Baía de Guanabara, revezávamos, eu e meu parceiro Lupicínio, no temporal de Funk 70 que desabava em forma de James Brown, Kool & The Gang, Sly, Tim Maia e JB’s, entre outros meliantes da pesada, quando uma perua precoce e ocluda me abordou.
“Toca um funk aí!”
“Hã?”, respondi, fingindo que o volume do som atrapalhava a compreensão daquele pedido lunático.
“Fuuun-kêêê!”, escancarou a ocluda. Pronto. Agora não tinha mais desculpa.
“Pô... mas isso é James Brown. Quer mais funky que isso?”, tentando ser simpático: a ocluda tinha uma bunda legal.
“Eu sei, muito bom! Mas toca aí um funk original.”
“Original, como assim!?”
Afinal, entendi. O “funk original” dela era o pancadão-popozudo-tigrão-carioca.
“Foi mal, não tenho”, aleguei, tentando fornecer um sorriso amarelado.
A ocluda fez beicinho mas sorriu e saiu saltitando pelo sinteco feito uma gazela suntuosa enquanto ajeitava os óculos.
Tudo bem, até acho que o pancadão, ou funkarioca, tem o seu valor, que é uma forma legítima e até divertida de expressão dos esquecidos do esquemão e etc., mas porra, os meliantes do funk norte-americano dos anos 70 é que são os originais, os pais do funk. E quando a ocluda me abordou, o som que rodava no CDJ era Make it funky, do James Brown: uma pedrada violenta, daquelas que fazem até joão-bobo murcho balançar.
Entre uns goles na latinha de cerveja e umas espiadas na bunda da ocluda, lembrei que a festa acontecia em um dos metros quadrados mais caros da cidade, e que os convidados eram daquele time que acha que é cool militar a favor da cultura dos morros sem nunca ter pisado numa favela. De qualquer maneira, o aniversariante (vulgo: patrão) e a maioria dos convidados estavam perdendo a noção do ridículo na pista, bamboleando de tal maneira que não deixavam dúvida quanto ao sucesso da sequência musical a que eu e Lupicínio os submetíamos.
Já perto da meia-noite, entre uns goles na latinha de cerveja e umas espiadas na mesa de quitutes, o Lupicínio acertou uma leve cotovelada nas minhas costelas e forneceu a notícia aterrorizante:
“Olha quem chegou aí... a tua musa, Alessandra Negrini”.
“Tá de sacanagem... cadê?”, perguntei no susto.
“Ali, malandro!”, apontando para a porta do apartamento.
“Aí, fodeu, não vou mais conseguir tocar.”, avisei, meio rindo, meio sério.
Lupicínio conhecia a minha tara pela atriz Global. Estava farto de me ouvir dizer, no final dos nossos porres pelos botecos sujos, que Alessandra Negrini era a mulher mais tesuda da galáxia. Sim, encabeçando uma lista que conta ainda com as seguintes alienígenas: Catherine Boceta-Jones (aquela égua galesa), Kirsty Alley (a mamãe-delícia do filmeco Três solteirões e um bebê), Mireya Luis (a ex-craque popozuda da seleção cubana de vôlei) e Cláudia Cruz (a apresentadora do RJTV nos anos 90, que fazia um biquinho fatal com a boca enquanto apresentava as notícias de inutilidade pública do telejornal).
Sabedor da minha aflição, Lupicínio não estranhou quando larguei o headphone no meio de Acenda o farol, do Tim Maia, e fui fumar um cigarro na janela. Alessandra já havia sumido na pequena multidão que se formara no corredor colossal que desembocava na “pista”, mas a ciência de sua presença no recinto festivo me perturbava. Entre uns goles na latinha de cerveja e uns tragos no cigarro, fiquei lembrando das fotos da Playboy, em que ela aparece com o olhar mais safado do mundo, posando de prostituta na Lapa. É a melhor Playboy nacional de todos os tempos.
Encostado no parapeito, de costas pra janela, senti a brisa soprar na minha nuca quando Alessandra surgiu na pista. Trajava um vestido preto de tecido leve que denunciava todos os seus volumes mas deixava nuas apenas as canelas brancas e grossas. Segurando uma taça de champagne com uma das mãos e ajeitando o cabelo recém-cortado com a outra, ela entrou na dança timidamente, apesar do esforço dos estranhos em transparecer a maior naturalidade na sua presença. Acho que foi a suposta timidez dela que me encorajou a voltar pra mesa de som.
Entre uns goles na latinha de cerveja e umas espiadas no popô da Alessandra - que já requebrava bonito na minha frente - relaxei. Passava das duas horas da madrugada quando a vi caminhando em direção à mesa de som, quer dizer, em minha direção. O sorrisinho dela era bem diferente daquele da Playboy. Era um sorriso meio torto, meio encabulado e, ao mesmo tempo, maroto que só ele. Os dois olhões negros me encontraram com cara de panaca, a boca entreaberta. Notei que ela trazia um pequeno pedaço de papel e uma caneta, ambos na mesma mão. Na outra, ainda a taça de champagne. Tirei o headphone da cabeça, enchi o peito de confiança e me preparei para o confronto.
“Oi. Tudo bem?”, ela - colocando a taça sobre a mesa.
“Tudo!”, eu - vermelho, roxo, magenta, sei lá, sou daltônico.
“Adorei o som de vocês. Várias músicas que eu não escutava há um tempão. Vocês tocam sempre juntos? É que eu vou precisar de um DJ pruma festa e queria pegar o telefone de vocês...”.
Olhei de relance pro Lupicínio, com cara de quem pede socorro, mas o puto fingiu estar compenetrado no trabalho, nem tirou o olho do CDJ. Aposto que estava se mijando de rir. Depois ele confessou que ouviu a conversa toda. Mas agora era comigo. A maior tesuda da galáxia estava na minha frente, pedindo o meu telefone e eu queria lhe dizer algo além do meu número. Ela é o tipo de mulher que já escutou toda a sorte de gracinhas e cantadas imbecis, portanto, perguntar se ela gostaria de conhecer a minha coleção de selos estava fora de cogitação. Resolvi então libertar o canalha que mora dentro de todos nós:
“Olha, Alessandra, seria o maior prazer tocar pra você, mas quando é a festinha?”
“É no dia 31 de outubro, sexta-feira. Você pode?” – respondeu, ainda sorrindo torto, mas na maior boa vontade. Percebi que desta vez ela perguntara se eu poderia, e não se nós poderíamos.
“Hummm... dia 31. É o dia do Halloween, né?”
“É mesmo! Coincidência...”
“Pois é, acho que não vou poder, minha mãe não me deixa sair de casa no Halloween...”
“Que história é essa menino, quantos anos você tem?”, o sorriso dela agora era mais espontâneo.
“Tenho 31, mas a minha mãe... sabe como é...”
“Olha, avisa sua mãe que eu tomo conta de você, tá legal?”
“Ahn, sendo assim, anota aí o meu número.”
O dia 31 de outubro já passou e até hoje aguardo o telefonema de Alessandra. Naquela noite, ainda trocamos alguns comentários sobre os CDs, sobre aquele apartamento ancião e sobre a sua futura festa. Alessandra foi embora na hora do parabéns, lá pelas três da madrugada. Saiu de fininho, sem falar com ninguém. Nem comigo. Acho que deveria tê-la convidado para conhecer a minha coleção de selos. E deveria ter pedido o número do telefone dela, entre os goles na latinha de cerveja e as piadas duvidosas sobre o Halloween.
“Toca um funk aí!”
“Hã?”, respondi, fingindo que o volume do som atrapalhava a compreensão daquele pedido lunático.
“Fuuun-kêêê!”, escancarou a ocluda. Pronto. Agora não tinha mais desculpa.
“Pô... mas isso é James Brown. Quer mais funky que isso?”, tentando ser simpático: a ocluda tinha uma bunda legal.
“Eu sei, muito bom! Mas toca aí um funk original.”
“Original, como assim!?”
Afinal, entendi. O “funk original” dela era o pancadão-popozudo-tigrão-carioca.
“Foi mal, não tenho”, aleguei, tentando fornecer um sorriso amarelado.
A ocluda fez beicinho mas sorriu e saiu saltitando pelo sinteco feito uma gazela suntuosa enquanto ajeitava os óculos.
Tudo bem, até acho que o pancadão, ou funkarioca, tem o seu valor, que é uma forma legítima e até divertida de expressão dos esquecidos do esquemão e etc., mas porra, os meliantes do funk norte-americano dos anos 70 é que são os originais, os pais do funk. E quando a ocluda me abordou, o som que rodava no CDJ era Make it funky, do James Brown: uma pedrada violenta, daquelas que fazem até joão-bobo murcho balançar.
Entre uns goles na latinha de cerveja e umas espiadas na bunda da ocluda, lembrei que a festa acontecia em um dos metros quadrados mais caros da cidade, e que os convidados eram daquele time que acha que é cool militar a favor da cultura dos morros sem nunca ter pisado numa favela. De qualquer maneira, o aniversariante (vulgo: patrão) e a maioria dos convidados estavam perdendo a noção do ridículo na pista, bamboleando de tal maneira que não deixavam dúvida quanto ao sucesso da sequência musical a que eu e Lupicínio os submetíamos.
Já perto da meia-noite, entre uns goles na latinha de cerveja e umas espiadas na mesa de quitutes, o Lupicínio acertou uma leve cotovelada nas minhas costelas e forneceu a notícia aterrorizante:
“Olha quem chegou aí... a tua musa, Alessandra Negrini”.
“Tá de sacanagem... cadê?”, perguntei no susto.
“Ali, malandro!”, apontando para a porta do apartamento.
“Aí, fodeu, não vou mais conseguir tocar.”, avisei, meio rindo, meio sério.
Lupicínio conhecia a minha tara pela atriz Global. Estava farto de me ouvir dizer, no final dos nossos porres pelos botecos sujos, que Alessandra Negrini era a mulher mais tesuda da galáxia. Sim, encabeçando uma lista que conta ainda com as seguintes alienígenas: Catherine Boceta-Jones (aquela égua galesa), Kirsty Alley (a mamãe-delícia do filmeco Três solteirões e um bebê), Mireya Luis (a ex-craque popozuda da seleção cubana de vôlei) e Cláudia Cruz (a apresentadora do RJTV nos anos 90, que fazia um biquinho fatal com a boca enquanto apresentava as notícias de inutilidade pública do telejornal).
Sabedor da minha aflição, Lupicínio não estranhou quando larguei o headphone no meio de Acenda o farol, do Tim Maia, e fui fumar um cigarro na janela. Alessandra já havia sumido na pequena multidão que se formara no corredor colossal que desembocava na “pista”, mas a ciência de sua presença no recinto festivo me perturbava. Entre uns goles na latinha de cerveja e uns tragos no cigarro, fiquei lembrando das fotos da Playboy, em que ela aparece com o olhar mais safado do mundo, posando de prostituta na Lapa. É a melhor Playboy nacional de todos os tempos.
Encostado no parapeito, de costas pra janela, senti a brisa soprar na minha nuca quando Alessandra surgiu na pista. Trajava um vestido preto de tecido leve que denunciava todos os seus volumes mas deixava nuas apenas as canelas brancas e grossas. Segurando uma taça de champagne com uma das mãos e ajeitando o cabelo recém-cortado com a outra, ela entrou na dança timidamente, apesar do esforço dos estranhos em transparecer a maior naturalidade na sua presença. Acho que foi a suposta timidez dela que me encorajou a voltar pra mesa de som.
Entre uns goles na latinha de cerveja e umas espiadas no popô da Alessandra - que já requebrava bonito na minha frente - relaxei. Passava das duas horas da madrugada quando a vi caminhando em direção à mesa de som, quer dizer, em minha direção. O sorrisinho dela era bem diferente daquele da Playboy. Era um sorriso meio torto, meio encabulado e, ao mesmo tempo, maroto que só ele. Os dois olhões negros me encontraram com cara de panaca, a boca entreaberta. Notei que ela trazia um pequeno pedaço de papel e uma caneta, ambos na mesma mão. Na outra, ainda a taça de champagne. Tirei o headphone da cabeça, enchi o peito de confiança e me preparei para o confronto.
“Oi. Tudo bem?”, ela - colocando a taça sobre a mesa.
“Tudo!”, eu - vermelho, roxo, magenta, sei lá, sou daltônico.
“Adorei o som de vocês. Várias músicas que eu não escutava há um tempão. Vocês tocam sempre juntos? É que eu vou precisar de um DJ pruma festa e queria pegar o telefone de vocês...”.
Olhei de relance pro Lupicínio, com cara de quem pede socorro, mas o puto fingiu estar compenetrado no trabalho, nem tirou o olho do CDJ. Aposto que estava se mijando de rir. Depois ele confessou que ouviu a conversa toda. Mas agora era comigo. A maior tesuda da galáxia estava na minha frente, pedindo o meu telefone e eu queria lhe dizer algo além do meu número. Ela é o tipo de mulher que já escutou toda a sorte de gracinhas e cantadas imbecis, portanto, perguntar se ela gostaria de conhecer a minha coleção de selos estava fora de cogitação. Resolvi então libertar o canalha que mora dentro de todos nós:
“Olha, Alessandra, seria o maior prazer tocar pra você, mas quando é a festinha?”
“É no dia 31 de outubro, sexta-feira. Você pode?” – respondeu, ainda sorrindo torto, mas na maior boa vontade. Percebi que desta vez ela perguntara se eu poderia, e não se nós poderíamos.
“Hummm... dia 31. É o dia do Halloween, né?”
“É mesmo! Coincidência...”
“Pois é, acho que não vou poder, minha mãe não me deixa sair de casa no Halloween...”
“Que história é essa menino, quantos anos você tem?”, o sorriso dela agora era mais espontâneo.
“Tenho 31, mas a minha mãe... sabe como é...”
“Olha, avisa sua mãe que eu tomo conta de você, tá legal?”
“Ahn, sendo assim, anota aí o meu número.”
O dia 31 de outubro já passou e até hoje aguardo o telefonema de Alessandra. Naquela noite, ainda trocamos alguns comentários sobre os CDs, sobre aquele apartamento ancião e sobre a sua futura festa. Alessandra foi embora na hora do parabéns, lá pelas três da madrugada. Saiu de fininho, sem falar com ninguém. Nem comigo. Acho que deveria tê-la convidado para conhecer a minha coleção de selos. E deveria ter pedido o número do telefone dela, entre os goles na latinha de cerveja e as piadas duvidosas sobre o Halloween.
Zé McGill
* Por falar em Tim Maia, segue o link de um vídeo raro e foderoso do Síndico. (Atentem para a performance do percussionista, que recebe um santo no final do vídeo... ISSO É BRASIL!!)
5 comentários:
é... e assim lá se vai mais uma rsrsrs
eu sei a que funk a ocluda estava se referindo e a-do-ro. Inclusive tenho um videozinho infame que eu não revelaria nem sob as piores torturas. Mas cadê o texto que vc prometeu? bjs
qual o nome desse percursionista?
é conto isso, cara. talvez um conto gonzo.
me lembrou um texto de um cara chamado cardoso. conhece?
link para ele:
http://qualquer.org/bugio/
Biu, Xena vem aí.
Genitália, parece o Naná Vasconcelos, mas não sei se é ele não... Cardoso, grande Cardoso...
Abs
McGILL
figuraça esse percussionista, hein!! 1971, eu nem existia, dá-lhe Tim! Muito bom...
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