sábado, 16 de maio de 2009

MICK JAGGER DA BAHIA


Domingo, dia da mães, e a senhora minha mãe diz que queria ir ao show do Caetano Veloso. Eu acordei de ressaca, todo errado, não conhecia o disco novo e não me animei muito. Mas, como era dia das mães, topei na hora. Lembrei também que nunca havia assistido a um show do CV e que acho fodaços os discos do início da carreira dele. Cheguei sonolento ao Canecão.

E demorei a reconhecer a música de abertura: “A voz do morto”, registrada no disco de raridades Cinema Olympia, onde ela aparece tocada pelos Mutantes. Eu estava largado na cadeira e fui logo me ajeitando. Em seguida veio “Sem cais”, que também é a segunda faixa de Zii & Zie, o novo álbum. A linha de baixo, numa onda quase dub, me deixou chapado, ao mesmo tempo que me despertou. Guitarrinha criando clima cool, bateria cheia de classe, e a banda Cê, que acompanha Caetano desde o disco anterior, garantia a felicidade da mamãe. Eu já estava bem acordado.

Pedro Sá (guitarra), Ricardo Dias Gomes (baixo) e Marcelo Callado (bateria), além de figurarem entre os músicos mais talentosos e criativos do Brasil do novo século, também são fãs dos discos do início da carreira do Caetano. E só isso já sugeria que o repertório traria surpresas agradáveis. Mas eu não esperava “Maria Bethânia” (do primeiro disco dos anos de exílio, Caetano Veloso, de 1970), “Irene” e “Não identificado” (do incrível disco de capa branca, Caetano Veloso, de 1969). Esta última, com bateria demolidora de Callado. Aí, mamãe já merecia um beijo.

Caetano pode ser chato, você pode até implicar com ele. Mas é gênio. E talvez seja hoje o melhor cantor brasileiro em atividade. E bota atividade nisso. Além de virar os olhinhos para declarar sorrindo que “Eu sou neguinha”, o cara corre pelo palco feito um Mick Jagger da Bahia (em doses menores de energia), e cativa feito um David Bowie do Pelourinho. Ademais, conserva o (bom) hábito de saber surpreender musicalmente. Se bem que, ao final de “Não identificado”, uma madame da mesa ao lado, certamente surpreendida pela ausência dos maiores sucessos do baiano no roteiro do show, se empolgou e pediu “Leãozinho”. Perdidinha, coitada.

“Base de Guantánamo”, também do disco novo, é prova de que a torneira criativa musical de Caê não fechou. É quase um mantra, quase The Police, quase Cuba. Os backing vocals da banda são coisa fina e a letra fala mal dos norte-americanos. Eu sou norte-americano (nasci lá nos EUA), minha mãe também, e os dois gostamos da música. Tem gente que reclama que Caê faz questão de emitir opinião de forma explícita o tempo todo, até nas letras. Por mim, deixa ele falar e cantar o que quiser... Ele acerta muito mais do que erra.

Acertou na escolha de “Incompatibilidade de gênios”, de João Bosco, mais uma de Zii & Zie, que provocou corinho da plateia durante o bis. Acertou no cenário (de Hélio Eichbauer), em que uma asa-delta colocada praticamente sobre a cabeça do baterista parece que vai levantar vôo. E acertou em cheio no recrutamento da banda Cê.

Tudo bem, a letra de “Lapa” é meio esquisita. Precisava mesmo comparar o bairro carioca a um “rapaz gostoso”? Mas valeu muito ter ido. Mamãe ficou feliz. Eu também fiquei. E a ressaca sumiu. Às vezes, os melhores shows, os melhores filmes, os melhores encontros são aqueles em torno dos quais não se cria expectativa em excesso.

Ok, Mick Jagger da Bahia foi forçação, eu sei.

Zé McGill

* Só faltou no novo show de CV alguma música do disco Transa (1972). Se liga nesse vídeo da música "Nine out of ten" (do Transa), com a Banda Cê, no Tim Festival de 2006:

13 comentários:

Anônimo disse...

tocar esses discos é mole...
quero ver o Caetano tocar o Araça Azul ao vivo... aí sim.

Ass: o anão misterioso

Pedro Só disse...

Falou e disse tudo, bicho!
Eu dei mole de não ver o show, mas vou topar com ele lá na frente. Caetano ao vivo não me decepciona desde 1980.

Kika Serra disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Kika Serra disse...

Não acho que dar uma roupagem moderna a Caetano disfarça o fato de que ele deixou de ser interessante há tanto, tanto tempo atrás. O mesmo beiço tremelicante, o mesmo falsete, o mesmo coquetismo "eu sou neguinha" - agora com arranjo dub! Eu também sou fã do início da carreira dele, assim como sou fã do começo da carreira do David Bowie. Graças a Deus, o resto do mundo não tem essa propensão à idolatria que nós temos, e não transformaram o bom Bowie na figura insuportável em que Caê se deixou transformar. Gênio? Quem sou eu para negar, virou daquelas verdades pausterizadas, apesar do prazo de validade vencido. Mas digo sem medo de errar que muitos mais e melhores andam por estes Brasis sem metade da babação de ovo. GRAÇAS A DEUS!

Pensei em desistir deste post, mas me inspirei no nome da revista!

beijins e Fela Kuti neles!

Revista Foda-se disse...

Kika Serra Elétrica!
É isso aí! Foda-se...
E Fela é Fela...
beijin,

Giberto Gil, Bob Marley da Bahia! disse...

Ainda bem que reconheceu que Mick Jagger da Bahia é forçação de barra!
A banda "CÊ" é realmente uma grande banda e o show de Caetano com eles vale muito a pena, mas o disco não me empolga.(um disco de Caetano há muito tempo não empolga!)
No mais, acho que tem muita gente produzindo mais e melhor que Caetano no Brasil hoje em dia...

Brunette disse...

forçação foi ótimo auhuhahauhu
eu acho que gosto de uma ou outra musica dele, mas não conheço nada de novo!!

esse anão misterioso aí seria o Bruno? ueheueheueheuheue


:*** bjossss

brunette disse...

hum....acho que o anão misterioso deve ser o Lúcio, uhuhuhu

thais disse...

Também acho que os melhores shows são os que a gente chega com as menores expectativas.

Revista Foda-se disse...

O Ricardo Noblat publicou esta resenha no blog dele, dentro do site do GLOBO. Aqui:
http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2009/05/17/mick-jagger-da-bahia-186916.asp

Caetano = polêmica!
: )
abs,
McGill

Kika Serra disse...

Que povo mais mal-educado esses leitores do Noblat, hein?

Incrível a facilidade com que as pessoas - pro ou anti Caê! - acusam umas às outras de "ignorante". Se alguém tem uma opinião diferente da sua, simplesmente não pode saber do que está falando...

Quase dei pitaco lá também, mas acho que o homem não merece sequer a polêmica. Só voltei aqui para dar meu voto de apoio ao F*da-se!

p. disse...

fui nesse show aí cara

lá no canecão carão,
lugarzinho careta !

Revista Foda-se disse...

Brunette, o anão misterioso é um mistério até pra mim... eu juro!
Mostra a cara, anão!
: )
bjo,