Se eu tivesse um ponto de escuta instalado no ouvido vinte e quatro horas por dia, o mundo seria meu. Com ajuda do ponto, eu falaria a coisa certa, sempre. E, falando sempre a coisa certa, o sujeito consegue o que quiser na vida. Conquista a mulher que desejar, consegue o emprego que almejar e, se quiser, vira até presidente da República. Basta dizer a coisa certa. Isto é: dizer o que os outros querem escutar.
Do outro lado do meu ponto de escuta, num quartinho enfumaçado e mal iluminado, uma equipe de apoio estaria sempre a postos: psicólogo, psiquiatra, historiador, filósofo, tradutor de vários idiomas, piadista, canalha, boçal... A fauna toda. Cada um seria acionado para soprar o discurso certo na minha orelha no momento adequado. Se eu me sentasse à mesa de um bar com um idiota, o boçal assumiria o comando do outro lado do ponto para nivelar a conversa. Se travasse discussão com uma intelectual pedante, teria o suporte do filósofo para explicar que a vida não é somente aquilo; do historiador, para provar que os antepassados dela também erravam; e do canalha, pra fingir que estou muito interessado no papo dela. E assim por diante.
A filosofia do “Fale a coisa certa” assombra os meus pensamentos há algum tempo. Mas foi na semana retrasada, ao assistir pela primeira vez o clássico Muito além do jardim (1979), com Peter Sellers, que a ficha finalmente caiu de vez. O filme conta a história de um jardineiro chamado Chance (Sellers) que, após a morte de seu patrão, é obrigado a deixar a casa onde trabalhou a vida inteira. O sujeito, um semi-retardado que nunca havia colocado os pés fora de casa e só conhecia a vida através da televisão, dá de cara com um mundo desconhecido e hostil: as ruas de Washington DC.
Logo na primeira noite, Chance é atropelado por uma madame (Shirley MacLaine) que, por medo de ser processada, decide levar o infeliz para sua mansão a fim de cuidar do ferimento causado no acidente. A simplicidade do protagonista – que acaba sempre falando a coisa certa, mesmo que por acaso – começa a abrir portas. Tudo o que ele fala é relacionado à jardinagem, mas as pessoas em sua órbita atribuem suas supostas metáforas a uma sabedoria profunda. Em pouco tempo, a madame está apaixonada por ele e seu marido, o milionário dono da mansão, o adota como confidente.
Num determinado momento do filme, o presidente dos EUA faz uma visita ao milionário, que era uma espécie de consultor seu. Na ocasião, Chance é apresentado ao presidente, que lhe pergunta algo como: “O que você faria para resolver o problema da nossa economia?”. Atrapalhado, o jardineiro responde o seguinte: “Enquanto as raízes estiverem sólidas, tudo estará bem no jardim”. O presidente, que nem era o Bush, fica impressionado com aquela “sacação” e divulga o “conselho” de Chance para toda a imprensa. No final, chegam mesmo a cogitar a candidatura do jardineiro à presidência dos Estados Unidos! Só porque ele falou as coisas certas nas horas certas.
Falar a coisa certa é, no entanto, relativo. Relativo porque o impacto causado pela fala depende do estado de espírito, do grau de instrução e das necessidades a serem preenchidas no âmago do interlocutor. Mas tenha certeza: sempre existirá a coisa certa a ser dita. Sempre. Mesmo que a coisa certa seja uma mentira ou uma contradição às suas ideias. E mesmo que você não queira dizer a coisa certa.
Aliás, se eu soubesse escrever a coisa certa o tempo todo, a Revista Foda-se causaria um frenesi universal, uma pandemia literária descontrolada. Mas como não tenho essa competência e nem um ponto de escuta no ouvido, me contento em escrever e falar a coisa relativamente certa de vez em quando. E viva o Brasil...
Do outro lado do meu ponto de escuta, num quartinho enfumaçado e mal iluminado, uma equipe de apoio estaria sempre a postos: psicólogo, psiquiatra, historiador, filósofo, tradutor de vários idiomas, piadista, canalha, boçal... A fauna toda. Cada um seria acionado para soprar o discurso certo na minha orelha no momento adequado. Se eu me sentasse à mesa de um bar com um idiota, o boçal assumiria o comando do outro lado do ponto para nivelar a conversa. Se travasse discussão com uma intelectual pedante, teria o suporte do filósofo para explicar que a vida não é somente aquilo; do historiador, para provar que os antepassados dela também erravam; e do canalha, pra fingir que estou muito interessado no papo dela. E assim por diante.
A filosofia do “Fale a coisa certa” assombra os meus pensamentos há algum tempo. Mas foi na semana retrasada, ao assistir pela primeira vez o clássico Muito além do jardim (1979), com Peter Sellers, que a ficha finalmente caiu de vez. O filme conta a história de um jardineiro chamado Chance (Sellers) que, após a morte de seu patrão, é obrigado a deixar a casa onde trabalhou a vida inteira. O sujeito, um semi-retardado que nunca havia colocado os pés fora de casa e só conhecia a vida através da televisão, dá de cara com um mundo desconhecido e hostil: as ruas de Washington DC.
Logo na primeira noite, Chance é atropelado por uma madame (Shirley MacLaine) que, por medo de ser processada, decide levar o infeliz para sua mansão a fim de cuidar do ferimento causado no acidente. A simplicidade do protagonista – que acaba sempre falando a coisa certa, mesmo que por acaso – começa a abrir portas. Tudo o que ele fala é relacionado à jardinagem, mas as pessoas em sua órbita atribuem suas supostas metáforas a uma sabedoria profunda. Em pouco tempo, a madame está apaixonada por ele e seu marido, o milionário dono da mansão, o adota como confidente.
Num determinado momento do filme, o presidente dos EUA faz uma visita ao milionário, que era uma espécie de consultor seu. Na ocasião, Chance é apresentado ao presidente, que lhe pergunta algo como: “O que você faria para resolver o problema da nossa economia?”. Atrapalhado, o jardineiro responde o seguinte: “Enquanto as raízes estiverem sólidas, tudo estará bem no jardim”. O presidente, que nem era o Bush, fica impressionado com aquela “sacação” e divulga o “conselho” de Chance para toda a imprensa. No final, chegam mesmo a cogitar a candidatura do jardineiro à presidência dos Estados Unidos! Só porque ele falou as coisas certas nas horas certas.
Falar a coisa certa é, no entanto, relativo. Relativo porque o impacto causado pela fala depende do estado de espírito, do grau de instrução e das necessidades a serem preenchidas no âmago do interlocutor. Mas tenha certeza: sempre existirá a coisa certa a ser dita. Sempre. Mesmo que a coisa certa seja uma mentira ou uma contradição às suas ideias. E mesmo que você não queira dizer a coisa certa.
Aliás, se eu soubesse escrever a coisa certa o tempo todo, a Revista Foda-se causaria um frenesi universal, uma pandemia literária descontrolada. Mas como não tenho essa competência e nem um ponto de escuta no ouvido, me contento em escrever e falar a coisa relativamente certa de vez em quando. E viva o Brasil...
Zé McGill
ps - O texto acima é baseado na música Fale a coisa certa, de Zé McGill. Clique aqui para escutar a música no MySpace. A gravação é no esquema caseiro total, voz e violão, mas dá pra ter uma noção...
* Sly & The Family Stone tocando a coisa certa...
3 comentários:
Segue abaixo a letra da música "Fale a Coisa Certa", que pode ser ouvida no www.myspace.com/bandaseres
Eu preciso falar
A coisa certa
Não é fácil dizer
O que se quer ouvir
É preciso calar
Na hora certa
Pois quem sabe escutar
Sabe o que consumir
Mentir pode ser criminoso
Mas se necessário eu te dou um balão
Cansei de dizer a verdade
E de pagar o preço sem compensação
Fale a coisa certa
E o mundo será seu
Fale a coisa certa
E o mundo será seu
Isso me lembra alguma coisa certa dita na hora errada.
Irado o texto, Zé. Amei.
Bjs
Ze quero saber quando vai sair o livro com seus textos.Ta mandando muito bem.
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