sexta-feira, 29 de agosto de 2008

RADIOHEAD EM SÃO FRANCISCO


Assisti a um show do Radiohead em Barcelona, há dois meses, no festival Daydream. Saí meio puto da vida porque esperava escutar alguns sucessos como My iron lungs, Fake plastic trees ou Karma Police, que não constavam no setlist. Por outro lado, fiquei com a batida e o vocal de Weird Fishes – do novo álbum, In rainbows - na cabeça por uma semana. Quando cheguei em casa, baixei o disco e me viciei. Dali em diante, foram dois meses de expectativa pelo show no Outsidelands Festival, em São Francisco, Califórnia, na última sexta-feira, dia 22 de agosto.

Parei de acompanhar a carreira do Radiohead no início deste século, quando a banda lançou Kid A, seu quarto álbum, e passou a priorizar o experimentalismo eletrônico e uma complexidade excêntrica nas composições, deixando de lado sua sensível capacidade de produzir baladas grudentas e rocks vigorosos da melhor qualidade. Continuo achando Kid A (2000) uma chatice, com raras exceções, o sucessor, Amnesiac (2001), fraco, e Hail to the thief (2003), uma bosta.

No ano passado, porém, os caras voltaram com tudo e chamaram a atenção de todo mundo que se interessa por música. Numa estratégia de marketing que deixou a indústria fonográfica com o cu na mão, eles lançaram In rainbows na internet sugerindo que o público baixasse o álbum pelo preço que achasse justo pagar. Disso, quase todo mundo já sabe. O que nem todo mundo percebeu ainda é que In rainbows é, ao lado de OK computer (1997), o melhor disco da carreira do quinteto de Oxford.

Após estréia fonográfica apenas regular com Pablo honey (1993), a banda amadureceu em The bends (1995) e chegou perto da sua obra-prima com Ok computer. Mas depois o negócio desandou. Até hoje me pergunto como pôde o mesmo grupo de pessoas que compôs clássicos como Paranoid android, High and dry e No surprises ter cometido diarréias sonoras como 2+2=5, The gloaming ou The national anthem. É admirável a capacidade que esses caras possuem de soarem geniais em um momento e cretinos no minuto seguinte. E o show deles é mais ou menos assim.

Só que o repertório do novo show é baseado no genial In rainbows. Portanto, os momentos de cretinice são escassos. Tanto em Barcelona quanto em São Francisco eles tocaram noventa por cento do repertório do disco novo ao vivo. A diferença entre os dois shows foi que, em São Francisco, rolaram todos aqueles hits citados no primeiro parágrafo. Só faltou mesmo Creep, que parece ter se tornado uma espécie de Anna Júlia do Radiohead e raramente é executada em shows.

O show de São Francisco aconteceu no Golden Gate Park, no primeiro dia do festival Outsidelands. Antes da atração principal, pude conferir 20 minutos do show do Manu Chao e corri para pegar uma hora do show do Beck, em outro palco, com direito a Loser e Devil’s haircut. Bom show. Melhor que aquele do Rock in Rio de 2001. Mas precisei cair fora antes do fim para garantir um lugar na multidão que se amontoava em frente ao palco principal à espera do Radiohead. A noite caía sobre o parque e eu ainda corria pelo gramado, desviando de alguns nativos obesos com seus hot dogs e suas cervejas de sete dólares nas mãos, quando escutei de longe as batidas de 15 step, a mesma música que abriu o show de Barcelona.

Eu não sou PM e não tenho o talento sobrenatural de avaliar os números de uma multidão assim, só de olhar. Mas havia pelo menos cinquenta mil pessoas ali e o que pude ver do palco foi o Thom Yorke do tamanho da unha do meu dedo mindinho. O que salvou foi o telão, que era dividido em quatro quadros, sempre focalizando um dos músicos em cada quadro. O show seguiu com Reckoner e um som apenas razoável para um festival de primeiro mundo. Em seguida veio a introdução do clássico Airbag e urros de delírio da multidão. Só que, de repente, o festival de primeiro mundo pagou mico. Houve um estalo seco e o som do P.A. sumiu completamente por cerca de dois minutos. Ouvi alguém da platéia reclamar: “That was not cool”.

Depois o som voltou e tudo correu bem até que surgiram no setlist as sofríveis The national anthem e The gloaming. Para minha sorte, durante esta última, aconteceu de novo: no meio da música, falha no sistema de som e silêncio total. Desta vez foi legal. Foi cool. O melhor silêncio que escutei em meses, ofuscado apenas por algumas vaias educadas. E durou quase a música inteira, aquele silêncio. O som voltou quando a banda tocava o último acorde. Perfeito. Fiquei rindo sozinho, imaginando que o técnico de som, entediado, houvesse desplugado os cabos propositalmente. O Thom Yorke ficou estressado. Chegou no microfone e esbravejou: “Sorry. I don’t know what the fuck is going on”.

Mas o show continuou com uma sequência matadora: Weird fishes, Idioteque, Karma police e Jigsaw falling into place. Pronto, valeu o ingresso. Olhei em volta e comecei a perceber porque é que se diz por aí que o Radiohead é hoje a maior banda de rock do mundo. Os cinquenta mil presentes acompanhavam Thom Yorke e cantavam juntos a maioria das letras, assim como aconteceu em Barcelona. A performance do vocalista, em transe numa dança esquizofrênica, por alguns instantes lembrou o jeitão esquisito do finado Ian Curtis (Joy Division). O adolescente que estava ao meu lado fez uma observação divertida a respeito de Yorke: “I think this dude is retarded” (acho que esse cara é retardado). E, olhando aquele ataque semi-epiléptico no centro palco, ficou difícil discordar do garoto.

Ao mesmo tempo, é difícil discordar de quem diz que o Radiohead é hoje a maior e melhor banda de rock do mundo. Thom Yorke (vocal e guitarra), Ed O’Brien (guitarra e vocal), Jonny Greenwood (guitarra), Colin Greenwood (baixo), e Phil Selway (bateria) sabem criar clima como poucos e a superioridade técnica deles como músicos é evidente. Fora isso, eles acabaram de lançar um disco que é simplesmente fodão e têm o melhor cantor de rock da atualidade. Thom Yorke canta muito e estava inspirado em São Francisco. O ponto alto dele foi em Nude – uma das boas faixas de In rainbows – quando hipnotizou até os esquilos do parque soltando sua bela voz de mancebo revoltado e deprimido.

Se você é fã incondicional de Radiohead, é provável que não tenha chegado até este último parágrafo. Talvez esteja aí, do outro lado da tela do computador, segurando uma pedra portuguesa e com uma vontade grande de atirá-la na minha cara. Só porque eu chamei o Thom Yorke de retardado e mancebo deprimido e porque eu acho aqueles três discos da banda um porre. Entretanto, se você não chegou até aqui, não saberá que no bis eles tocaram Paranoid android e Fake plastic trees e encerraram a apresentação com a melhor música do Kid A: Everything in its right place. Não saberá também que os shows de Barcelona e São Francisco e, especialmente, o novo disco, In rainbows, me fizeram voltar a gostar do Radiohead. E me convenceram de que, de fato, eles são hoje a maior e melhor banda de rock do mundo.



Zé McGill


* Pra quem ainda não conhece o clássico instantâneo Weird fishes, aqui está o vídeo no Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=FcANFVcJeOM

** E aqui um vídeo que registra o apagão sonoro no meio de Airbag, no show de São Francisco: http://www.youtube.com/watch?v=qH_3p1hAbWk

*** Esta resenha foi publicada no Portal Rock Press. Confira:


quinta-feira, 7 de agosto de 2008

O CAVALO DA TECNOLOGIA


Acho um saco esse papo de tecnologia. Pra mim, bluetooth é cárie, banda larga é bunda grande e firewall é assunto para o corpo de bombeiros. Mas, além de me entediar, a tecnologia me assusta. Ela está tornando o ser humano cada vez mais superficial e individualista. A criança contemporânea brinca cada vez menos na rua e passa cada vez mais tempo com a cara grudada na tela do computador. Pessoas constroem relações de amizade e amor através de cabos de fibra ótica, muitas vezes sem sequer terem trocado um olhar. Fico me perguntando aonde isso tudo vai parar, mesmo sabendo que isso tudo não vai parar.

Evoluir é uma necessidade natural do homem? Ok, pode ser. Mas o homem também tem bom senso e sensibilidade, ou não? Está na moda militar contra o aquecimento global e a poluição, o que é ótimo (e vital), mas ninguém parece perceber as ameaças do avanço desembestado da tecnologia. Quando a poluição começa a ameaçar a saúde, eles não criam o rodízio de automóveis, os filtros de chaminés? Pois então, por que não utilizar o bom senso para decretar uma freada na corrida alucinada do cavalo da tecnologia? É, eu vejo a tecnologia como um cavalo raivoso de olhos vermelhos esbugalhados que cavalga espumando pelos cantos da boca, soltando fumaça pela narina e atropelando tudo que cruza o seu caminho.

Por outro lado, reconheço que alguns dos avanços tecnológicos proporcionam coisas boas. Sem eles, não existiriam o MP3, nem as redes de P2P (troca de arquivos digitais) – a melhor invenção dos últimos anos. Não existiriam o Youtube, o rádio, os amplificadores, as guitarras, o cinema, as transmissões ao vivo de futebol pela TV. Sei de tudo isso. E sei também que não existiria este blog. Talvez a Revista Foda-se nunca tivesse nascido. Mas quando penso na clonagem de animais e seres humanos, no culto à música eletrônica movido a drogas sintéticas, na indústria bélica, na bomba atômica, na mira laser, no Big Brother em que as metrópoles monitoradas por câmeras estão se tornando e na Cora Rónai (a colunista nerd de O Globo), sinto que a coisa está fora de controle. Deu tilt no sistema.

Alguém dirá que a tecnologia não tem culpa, que o culpado é sempre o homem, que a utiliza de forma mesquinha e egoísta. Eu discordo. Acho que, assim como o dinheiro, a tecnologia pode ter vida e alma próprias. E, assim como o dinheiro, ela pode sim influenciar o comportamento do ser humano. Pode mudar conceitos, transformar tradições e culturas, criar vícios nocivos. E pode até contribuir com o fim de namoros e casamentos. É impressionante o número de casais desfeitos com a ajuda da Internet. Conheço vários casos de relacionamentos que terminaram com a descoberta de um e-mail ou de uma mensagem suspeita no Orkut. É cada vez mais comum.

A nossa geração, e as próximas duas ou três, poderiam viver muito bem com o que temos hoje, sem que nada mais fosse inventado. E poderia viver melhor ainda se algumas invenções recentes fossem eliminadas do nosso dia-a-dia. Não digo isso com o ressentimento de um ancião que perdeu o seu posto de trabalho para uma máquina, ou coisa que o valha. Trabalhei durante cinco anos na área de teconologia dentro de gravadoras. Fui responsável pelos sites e pelos novos negócios que envolvem a música. Acompanhei de perto a queda da venda de CDs e o surgimento das mídias digitais, da venda de arquivos de música através da Internet e dos telefones celulares. E encho a boca pra dizer: pedi demissão porque, entre outros motivos, este negócio perdeu a graça. Pelo menos para mim.

O negócio das gravadoras perdeu a graça porque a tecnologia acabou com o tesão do consumidor pelo ato da compra de música. Durante boa parte da minha vida, um dos maiores prazeres que tinha era entrar numa loja de discos, olhar as prateleiras cheias de vinis ou CDs, pegar um disco nas mãos e admirar a capa. Depois, era levar o disco pra casa, colocá-lo para tocar e ler o encarte com as letras e a ficha técnica. Isso tudo criava um clima que não se cria mais com as lojas de música digital na Internet ou nos telefones celulares. Hoje, o processo é frio demais. Automático demais.

Até o sexo está ficando automático. Nunca se bateu tanta punheta no planeta Terra quanto após o advento da Internet. Antigamente, a masturbação era patrocinada pela imaginação ou pelas fotos de revistas. Hoje, todo mundo faz sexo com a tela do computador. Taxistas, atletas, porteiros, maquiadores, executivos, presidentes. Todos têm o seu site de sacanagem predileto. O seu chefe também. Seu filho idem. Até a sua mãe vê putaria na rede! E, a princípio, não há nada de errado com isso. Mas a coisa pode ficar perigosa, porque nunca foi tão fácil se viciar em masturbação.

A ganância, a ira, a inveja, o ciúme, a perversão, a violência e outras maravilhas tão antigas quanto estas nunca estiveram tão bem acompanhadas. O dinheiro e o cavalo da tecnologia estão prontos para equipá-las. Outro dia me disseram que eu tenho alma de hippie. Talvez seja verdade, mas podem anotar aí: o dinheiro e o cavalo da tecnologia serão responsáveis pelo fim da humanidade.

Zé McGill



* Como prova de nosso apreço pelas coisas boas proporcionadas pela tecnologia, a partir de agora, toda postagem da Revista Foda-se terá um vídeo de música do Youtube. O escolhido da semana é o clipe da música Jailer, da cantora franco-nigeriana Asa. Clique no link abaixo.
http://www.youtube.com/watch?v=Sh2vqnok1OA