Não confio em ninguém que não tenha coragem de queimar uma nota de cinqüenta reais. O sujeito que se acovarda diante de um pedaço de papel não merece respeito.
Nossos medos se reciclam de acordo com o desenvolvimento da raça humana. Mas já há bastante tempo, o dinheiro - ou a falta dele - tornou-se o medo supremo do homem. Antigamente, Deus era o grande medo do mundo. As igrejas conquistavam uma quantidade indecente de fiéis através da filosofia do medo. Hereges e ateus eram queimados vivos. Cientistas eram considerados loucos e isolados pela sociedade. Era perigoso o simples fato de não praticar a fé. Isto, até que a própria igreja fosse assaltada pelo dinheiro. Daí em diante, o dinheiro tornou-se a maior religião do planeta, deixando o catolicismo, o islamismo e o judaísmo no chinelo.
Eu fazia muita merda nos meus tempos de ginásio. E uma dessas merdas causou minha suspensão do colégio (e de dois amigos) por uma semana. Além disso, a diretora aconselhou nossos responsáveis a nos levarem a uma psicóloga. Chegando lá, a primeira pergunta que ela me fez foi: “Se você pudesse acabar com uma única coisa no mundo, o que seria?”. Na hora pensei: “Que porra de pergunta é essa?”, mas respondi que, se pudesse, acabaria com o dinheiro. Ainda lembro da expressão de espanto no rosto da velha. Não sei se hoje minha resposta seria a mesma, mas até que a idéia de um mundo sem dinheiro não é totalmente má...
Não tenho paciência nem pretensão de criticar o sistema capitalista ou de evocar a tese de que o dinheiro não compra a felicidade. Mas acho fascinante o pavor que causa às pessoas a idéia da pobreza. Num mundo onde imperam a busca da ascensão social e do culto à prosperidade, vive-se uma eterna correria na fuga de um dedo indicador imaginário que está sempre apontado para o cu do cidadão, pronto para ser enterrado. É bom correr muito para pagar as contas e as dívidas, senão o dedo entra.
Cada vez menos as pessoas param pra pensar na vida ou para se renovar espiritualmente. Os pequenos prazeres são cada vez menores e menos apreciados. Os executivos usam cada vez mais a caneta e cada vez menos o pau. E quando atingem uma situação financeira confortável, décadas de labuta mais tarde, normalmente já perderam a capacidade de aproveitar a vista para o mar de sua cobertura duplex. O prazer proporcionado pelo luxo não dura mais de uma semana. Depois disso, a cascata artificial enfiada no meio da sala-de-estar e habitada por filhotes de crocodilos australianos, perde a graça. Tudo fica obsoleto, tudo fica muito comum.
Enriquecer virou sinônimo de vitória, e todo mundo quer ser campeão. Neste campeonato, o número de pontos é mensurado pelo tamanho do salário, e sendo assim, os presidentes das grandes corporações ocupam o topo da tabela de classificação e celebram suas conquistas ao som de “We are the Champions”, do Queen. No oposto inferior da tabela, segurando a lanterninha e desprezados universalmente, ficam os mendigos. No entanto, se fosse possível ganhar mil reais por semana mendigando, a mendicância se tornaria automaticamente uma profissão respeitável e os mendigos estariam disputando títulos.
Segundo o escritor inglês George Orwell (no livro Na pior, em Paris e Londres), “Se observados sob um ponto de vista realista, os mendigos também são homens de negócios que tentam ganhar a vida, do jeito que der. Não venderam a honra, não mais do que a maioria dos homens modernos. Simplesmente cometeram o erro de escolher um negócio no qual é impossível enriquecer”.
E enriquecer é de fato vital nos dias de hoje, sobretudo para o indivíduo do sexo masculino. Se você é proprietário de uma bicicleta enferrujada e não consegue comer ninguém, adquira um carrão importado. Você provavelmente não encontrará pelas ruas a mulher da sua vida, mas trepará feito um jovem e viril chimpanzé.
Certa vez, na saída de uma antiga casa de shows do Humaitá (RJ), parei numa carrocinha de cachorro-quente para matar a fome da madrugada. Já havia dado a primeira mordida no sanduíche quando, do meio do nada, surge um mendigo com uma nota de cinqüenta reais na mão. Sem dizer uma palavra, estendeu a nota suja e amassada para o vendedor, que imediatamente lhe serviu um lanche e agradeceu com a maior educação.
Quando o maltrapilho virou as costas e sumiu na escuridão das ruas, o vendedor me disse que toda semana ele aparecia ali com uma nota de cinqüenta. E completou dizendo: “Deve ser algum ex-empresário que pirou”. Aquela nota surrada de cinqüenta reais comprou a tolerância do homem da carrocinha, assim como um bom salário compra o respeito da síndica do prédio e do gerente do banco. É uma questão de “valores”. E buscar este tipo de aceitação por parte da sociedade é opção de cada um.
Podem me chamar de aluado, rebelde, alienado, doidão etc. Mas eu prefiro escutar um sincero “Vá pra puta que o pariu” a um hipócrita “Bom dia, doutor”. Prefiro as pessoas que não topam tudo por dinheiro, que não abrem as pernas diante de um pedaço de papel ou de um cartão de plástico reluzente. Vejo o dinheiro muito mais como um cachorro vira-latas do que como um vampiro assustador.
E se você não tem coragem de atear fogo em uma cédula de cinqüenta reais, tudo bem, mas experimente ao menos limpar a bunda com ela. Depois, basta passar uma aguinha antes de entregá-la ao moço da padaria. Ele aceitará a nota, mesmo que estranhe o perfume.
Zé McGill
Nossos medos se reciclam de acordo com o desenvolvimento da raça humana. Mas já há bastante tempo, o dinheiro - ou a falta dele - tornou-se o medo supremo do homem. Antigamente, Deus era o grande medo do mundo. As igrejas conquistavam uma quantidade indecente de fiéis através da filosofia do medo. Hereges e ateus eram queimados vivos. Cientistas eram considerados loucos e isolados pela sociedade. Era perigoso o simples fato de não praticar a fé. Isto, até que a própria igreja fosse assaltada pelo dinheiro. Daí em diante, o dinheiro tornou-se a maior religião do planeta, deixando o catolicismo, o islamismo e o judaísmo no chinelo.
Eu fazia muita merda nos meus tempos de ginásio. E uma dessas merdas causou minha suspensão do colégio (e de dois amigos) por uma semana. Além disso, a diretora aconselhou nossos responsáveis a nos levarem a uma psicóloga. Chegando lá, a primeira pergunta que ela me fez foi: “Se você pudesse acabar com uma única coisa no mundo, o que seria?”. Na hora pensei: “Que porra de pergunta é essa?”, mas respondi que, se pudesse, acabaria com o dinheiro. Ainda lembro da expressão de espanto no rosto da velha. Não sei se hoje minha resposta seria a mesma, mas até que a idéia de um mundo sem dinheiro não é totalmente má...
Não tenho paciência nem pretensão de criticar o sistema capitalista ou de evocar a tese de que o dinheiro não compra a felicidade. Mas acho fascinante o pavor que causa às pessoas a idéia da pobreza. Num mundo onde imperam a busca da ascensão social e do culto à prosperidade, vive-se uma eterna correria na fuga de um dedo indicador imaginário que está sempre apontado para o cu do cidadão, pronto para ser enterrado. É bom correr muito para pagar as contas e as dívidas, senão o dedo entra.
Cada vez menos as pessoas param pra pensar na vida ou para se renovar espiritualmente. Os pequenos prazeres são cada vez menores e menos apreciados. Os executivos usam cada vez mais a caneta e cada vez menos o pau. E quando atingem uma situação financeira confortável, décadas de labuta mais tarde, normalmente já perderam a capacidade de aproveitar a vista para o mar de sua cobertura duplex. O prazer proporcionado pelo luxo não dura mais de uma semana. Depois disso, a cascata artificial enfiada no meio da sala-de-estar e habitada por filhotes de crocodilos australianos, perde a graça. Tudo fica obsoleto, tudo fica muito comum.
Enriquecer virou sinônimo de vitória, e todo mundo quer ser campeão. Neste campeonato, o número de pontos é mensurado pelo tamanho do salário, e sendo assim, os presidentes das grandes corporações ocupam o topo da tabela de classificação e celebram suas conquistas ao som de “We are the Champions”, do Queen. No oposto inferior da tabela, segurando a lanterninha e desprezados universalmente, ficam os mendigos. No entanto, se fosse possível ganhar mil reais por semana mendigando, a mendicância se tornaria automaticamente uma profissão respeitável e os mendigos estariam disputando títulos.
Segundo o escritor inglês George Orwell (no livro Na pior, em Paris e Londres), “Se observados sob um ponto de vista realista, os mendigos também são homens de negócios que tentam ganhar a vida, do jeito que der. Não venderam a honra, não mais do que a maioria dos homens modernos. Simplesmente cometeram o erro de escolher um negócio no qual é impossível enriquecer”.
E enriquecer é de fato vital nos dias de hoje, sobretudo para o indivíduo do sexo masculino. Se você é proprietário de uma bicicleta enferrujada e não consegue comer ninguém, adquira um carrão importado. Você provavelmente não encontrará pelas ruas a mulher da sua vida, mas trepará feito um jovem e viril chimpanzé.
Certa vez, na saída de uma antiga casa de shows do Humaitá (RJ), parei numa carrocinha de cachorro-quente para matar a fome da madrugada. Já havia dado a primeira mordida no sanduíche quando, do meio do nada, surge um mendigo com uma nota de cinqüenta reais na mão. Sem dizer uma palavra, estendeu a nota suja e amassada para o vendedor, que imediatamente lhe serviu um lanche e agradeceu com a maior educação.
Quando o maltrapilho virou as costas e sumiu na escuridão das ruas, o vendedor me disse que toda semana ele aparecia ali com uma nota de cinqüenta. E completou dizendo: “Deve ser algum ex-empresário que pirou”. Aquela nota surrada de cinqüenta reais comprou a tolerância do homem da carrocinha, assim como um bom salário compra o respeito da síndica do prédio e do gerente do banco. É uma questão de “valores”. E buscar este tipo de aceitação por parte da sociedade é opção de cada um.
Podem me chamar de aluado, rebelde, alienado, doidão etc. Mas eu prefiro escutar um sincero “Vá pra puta que o pariu” a um hipócrita “Bom dia, doutor”. Prefiro as pessoas que não topam tudo por dinheiro, que não abrem as pernas diante de um pedaço de papel ou de um cartão de plástico reluzente. Vejo o dinheiro muito mais como um cachorro vira-latas do que como um vampiro assustador.
E se você não tem coragem de atear fogo em uma cédula de cinqüenta reais, tudo bem, mas experimente ao menos limpar a bunda com ela. Depois, basta passar uma aguinha antes de entregá-la ao moço da padaria. Ele aceitará a nota, mesmo que estranhe o perfume.
Zé McGill
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10 comentários:
Assistam ao filme "Na Natureza Selvagem", dirigido por Sean Penn, e que deve estrear em breve nos cinemas. Tem a ver com esse texto...
Abs
São poucos aqueles que tem o dom de escrever e se expressar.Adoro a forma como você expressa suas ideias, parabéns!!
Valeu Angélica!
beijão do McGill
mais uma vez, excelente, McGill!
sensacional o indicador imaginário e o viril chimpanze!
parabéns, e foda-se!
valeu matisyahu!
somos todos chimpanzés!!!
Muito bem, caro McGill (nome de empresário capitalista, hein? hehehe),
Também não defendo o comunismo mas agora que Fidel se vai e a China vai ser o parquinho dos EUA podemos dizer com certeza: o fim do mundo está próximo!
Próximo, porque apesar dos milhares de defeitos das ditaduras comunistas elas são ainda os únicos lugares onde o dinheiro não é o valor supremo.
Mas, vivemos aqui, nesse paraíso da liberdade. Só que o paraíso da liberdade sem o vil metal no bolso é uma liberdade de merda, como você mesmo diz.
Entonces: Foda-se! Tu resume tudo no dedo!
é isso aí Gracindo!
O capitalismo fracassou... só os idiotas não enxergam! Fodam-se...
É isso aí Seu Zé, dinheiro não tá com nada, minha conha é Unibando ...... hahaha
Tá foda o texto, vou ler o do Pai Brown.
Abraços,
Duduzinho
Menino José, confesso que vc está me deixando preocupada.
Rasgar dinheiro? É assim que começa...
Apesar de gostar ( muito) de dinheiro e não concordando com a totalidade das idéias, adorei o texto. Sobretudo na parte em que vc fala que tudo é uma questão de "valores". Muito bom. Parabéns.
ah, eu não tenho coragem de rasgar um galo, mas pode confiar em mim, valeu?
Bj
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