terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

ABRAM ALAS PARA O BLOCO FODA-SE


Não adianta. Eu não nasci pro Carnaval. Eram cinco horas da tarde da segunda-feira festiva e eu estava tentando tirar um humilde cochilo quando o barulho começou. Batucada, apitos e gritos de uhuuuuu invadiram a minha rua. Ainda fechei a janela e aumentei o som da TV, que rolava baixinho para ajudar a engrenar no sono. Tudo em vão. Minha soneca diurna estava condenada ao fracasso.

Qualquer bloquinho de fundo de quintal hoje em dia vem equipado de um sistema de som digno de trio elétrico baiano. E este não era diferente. Os alto-falantes no talo faziam reverberar por todo bairro aquela fanfarronice tupiniquim: “É hoje o dia da alegria e a tristeza nem pode pensar em chegar”. Atenção: a tristeza nem pode pensar em chegar. Se você está na merda, se a sua mulher te deu um bico na bunda ou se a vida acaba de te dar uma porrada, fodeu. Nem chegue perto. Vade retro.

É isso aí. A alegria do Carnaval é implacável. Portanto, é melhor se enquadrar, andar na linha, seguir o bloco e dançar conforme a música. Não é permitido curtir uma fossa. Não pode nem ficar parado. Todo mundo pulando! Todo mundo gritando! Todo mundo mijando na calçada! Todo mundo de olho no rabo da mulher alheia! Geral sambando, vamos lá que a vida é uma só.

E a música continuava... “Diga espelho meu se há na avenida alguém mais feliz que eu”. Pois é. O Carnaval chegou e no pacote veio essa alegria devastadora, ninguém sabe o porquê, mas não interessa, ninguém é mais feliz que eu nessa avenida. Bim-bá! Bim-bá! E a vadiagem seguia a mil por hora debaixo da minha janela. Preferi nem aparecer para não correr o risco de ser vaiado com aquela cara de sono.

Nunca entendi a alegria alienada do folião. Até porque, alegria não se planeja. Ninguém me convence de que é possível agendar uma data e gozar a vida conforme o calendário. A felicidade é sutil e chega sem a gente perceber. Quando nos damos conta, ela já está embrenhada nas entranhas. E muitas vezes só realizamos que ela esteve aqui depois que ela já foi embora.

A gasolina da euforia carnavalesca deve ser mesmo o samba. Veja por exemplo a letra de um samba que fez muito sucesso num Carnaval dos anos 80. O refrão era mais ou menos assim: “Lebaraô-ô-ô-ô-ô-É-bolê-bará-laiá-laiá-ô...”. Lembra disso? Genial. Poesia pura. E a Marquês de Sapucaí ia ao delírio. A letra deve ter sido bolada em algum buraco quente de macumba porque ninguém resistia, todo mundo cantava. Lebaraô. Esse é o Brasil.

Ninguém quer saber do Cartola no Carnaval. Ele que, com seu nariz impregnado de piche, cantava aqueles sambas bonitos do tipo “O Mundo é um Moinho” – composto em homenagem à sua filha - que era puta. Cadê o Cartola? O cara é o maior gênio do samba mas nunca vi um bloco que tocasse uma música sua no Carnaval. Se você souber de algum bloco que embale um samba do Cartola, me avise que eu vou lá. Vou porra nenhuma, mas enfim.

O negócio é inovar. Vem aí o Bloco Foda-se. Sai na quarta-feira de cinzas, se chover, e a trilha sonora é a seguinte: Joy Division, The Cure, Leonard Cohen, Portishead, Lupicínio Rodrigues, Maysa e Dolores Duran. Quem sabe rola também “Me Dê Motivo”, do Tim Maia, e “Death of a Party”, do Blur. Esse bloco sim, já vem arquitetado para o DEZ, NOTA DEZ, no quesito harmonia. Nosso enredo será a melancolia. Todo mundo vestido de preto! Todo mundo com cara de deprimido! Todo mundo pálido! Geral na merda.

Então é isso. A gente se vê na quarta-feira de cinzas. A concentração do Bloco Foda-se é na Quinta da Boa Vista, em frente ao portão principal do Zoológico. Ao invés de Engov e Sonrisal, vai ter distribuição gratuita de Prozac pra todo mundo. Vamos todos celebrar a culpa e o pessimismo. Sem medo e sem preconceito. Depois, tudo volta ao normal. Afinal, o ano só começa depois do Carnaval.

Bim-bá, bim-bá!

*(Fiz uma música em homenagem ao Carnaval, quando eu cantava numa banda chamada SereS. Quem quiser, pode escutar aqui: http://tramavirtual.uol.com.br/artista.jsp?id=8658 . Clique na música "No Carnaval".)

Zé McGill

6 comentários:

lawlra disse...

Cara, por uma ironia do destino acabei chegando aqui.
Tô no tédio aqui, pensando cá com meus botões "ODEIO CARANAVAL", procurei uma comunidade disso no orkut, vi um post seu e resolvi ler.

Não sei onde você mora, mas incrível como com qualquer pessoa que odeia carnaval sempre acontecem as mesmas coisas: essa nhanha de bloco de carnaval de bairro. O pior que o meu veio com samba enrredo, que já estava tocando desde as 8h da manhã em repeat, pra ver se decoram a letra até a hora que o bloco sair.

Bem, eu aguentei porquê meus irmãos e minha priminha gostaram, então tive que ficar lá junto deles.

Sem mais delongas, concordo com tudo que você disse e assino embaixo.

Beijos, Bom Carnaval. Ou não.

P.s.: Onde que vai ser esse bloco com prozac mesmo? Interessei.

Unknown disse...

opa
carnaval é comigo mesmo
to dentro do bloco foda-se
tá valendo qualquer parada.
irado o texto
abraço

Anônimo disse...

Zé Manieri, deixa de ser turrão. Eu adoro carnaval, embora nesse ano eu tenha ficado basicamente recluso por conta da dissertação. Adivinha sobre o que é? Tcharan! Carnaval!

Abraço aê.

Leonardo Wella disse...

pô cara, sai com esse bloco no posto 9. hahaha

Paulo Ricardo Costa (roquegambit) disse...

Sobre Cartola a mangueira, fundada por ele, colocou esse ano uma imagem sua no último carro alegórico. É o centenário do mestre. Envolta e escândalos e tendo como rainha de bateria a piranha de um traficante-dublê de cantor de merda, a escola amatgou um 11º lugar. esse é o nosso carnaval.

Revista Foda-se disse...

Laura - o Bloco Foda-se vai sair no próximo Carnaval e vou te chamar, pode deixar!

Marcelo - Valeu. Os foliões cearenses terão lugar cativo no nosso bloco.

Vicente - Turrão? Vc ainda não viu nada..... huhuhu

Leonardo - Supimpa tua idéia. Imagino a Juventude Bronzeada se entreolhando embasbacada ao som de Joy Division... Fechado. É lá.

Roquefake - Você realmente perde seu tempo assistindo o eterno remake do Carnaval da Sapucaí??? Deixa disso cara... huhuhu. Abs.