Sete horas da noite, sexta-feira quente de janeiro. Corre o horário de verão e o sol ainda ferve lá no alto, olhando pra baixo e vibrando com o derretimento alheio. Saí do trabalho, na Torre do Rio Sul - o World Trade Center carioca – e resolvi caminhar pelo calçadão da praia, do Leblon até o Arpoador. Tenho 30 anos. Bebo bem, fumo melhor ainda e minhas juntas às vezes pedem arrego. Não custa nada trocar o óleo uma vez por mês e curtir um pouco do verão carioca... Ahhh, o verão carioca.
Atravesso a ciclovia e dou logo de cara com a primeira madame de bunda murcha conduzindo seu poodle branco e perfumado. Sempre detestei poodles. É sem dúvida o cachorro mais escroto do mundo, com seu rabinho de pompom de animadora de torcida de futebol americano. E o Leblon está infestado deles. Da atendente da loja de sucos ao magnata proprietário da cobertura, são todos poodles.
Mas eis que surge a primeira morena gostosa trotando na minha frente com um short branco colado na bunda. Rêgo balançando, fones no ouvido. Fiquei tentando adivinhar o que ela estaria escutando. Provavelmente alguma coletânea do Oswaldo Montenegro e Oswaldo Montenegro é chato pra caralho, mas foda-se. Fui seguindo a bunda até Ipanema.
Lembrei da minha cena predileta de todos os tempos do cinema nacional, quando o José Wilker leva a Vera Fischer pra dar uma trepada no Alto da Boa Vista em “Bonitinha, Mas Ordinária”. De repente, no meio da foda, aparece um indigente gritando “Eu também quero, eu também sou filho de Deus!”. E o casal foge. A Vera tapando os peitos com o braço.
Olhei de novo pra bunda da morena e comecei a pensar: porra, eu também sou filho de Deus. Vou chegar e dizer isso pra ela... “Eu também quero! Eu também sou filho de Deus!”. No máximo corre o risco de ela achar que eu estou vendendo bíblias. Apertei o passo, já quase em Ipanema, colei nela e falei a frase do indigente, me aproveitando do fato de que ela não escutaria nada com o fone no ouvido.
“Oiii???”, ela respondeu tirando o fone. Na mesma hora, chega de patins o Menino do Rio - diretamente da letra do Caetano Veloso, com dragão tatuado no braço e tudo. Dá um selinho na morena e fica me olhando com cara de cu. Fui andando pelo calçadão, pensando no Oswaldo. O Montenegro. O cara come a Paloma Duarte. Tá melhor que o Menino do Rio.
Já eram oito da noite e o sol ainda estava se pondo. A luz dava um clima de fim de festa e o céu estava cheio de cores. Eu que sou daltônico vi o céu laranja e a areia meio verde. Numa boa, é um privilégio ser daltônico. Além de enxergar essa psicodelia de cores, o sujeito ainda pode ser liberado do exército e tirar dez na prova de geografia porque não tem condição de colorir o mapa. Comigo foi assim.
Mas o sol estava se pondo e eu ia me aproximando do Posto 9, o reduto sagrado da juventude bronzeada carioca, na praia de Ipanema. É lá que você precisa atravessar um labirinto do estilo Minotauro pela areia pra conseguir chegar até a água e dar um mergulho num dia de calor. É lá que a nossa juventude apresenta seu tórax apolíneo e desfila sua coxa bombada de acadêmia. É lá que o sol nasce para quase todos. É o oasis da maconha e da punheta. O maior barato. Dizem que a culpa de tudo isso é do Gabeira, que no final dos anos 70 desfilava pela área com uma micro-tanga para expressar toda a sua liberdade e masculinidade.
E então aconteceu. Aplausos. O Posto 9 inteiro aplaudindo o pôr-do-sol e eu ali presenciando aquilo com a calça jeans grudada nas pernas, ensopadas de suor. Todos batendo palmas em direção ao astro-rei no maior alto astral. Um espetáculo de reverência à natureza. Parecia que de repente o mundo havia sido tomado por pessoas sensíveis. O cara da barraca de bebidas abraçava o vendedor de queijo coalho como dois estranhos se abraçam no Maracanã na hora do gol do Flamengo. Apitos soavam por toda a orla estimulando a revoada de dúzias de pombos, e uma turista norueguesa enxugava os olhos marejados de emoção.
Precisava tanto? Me perguntei. Aquilo tinha um ar de ato final de tragédia grega protagonizada pelos atores errados. A fauna da Zona Sul do Rio, enquanto emporcalhava a areia e o mar com copos de plástico e sacos de biscoito Globo, brindava o crepúsculo numa celebração duvidosa. Nisso olho para o quiosque ao lado e noto que dois casais com taças de champagne nas mãos estavam me fitando, como se perguntassem entre eles: “Por que ele não está aplaudindo também? Cara estranho”. Ao mesmo tempo tive vontade de rir e vomitar. Ou seja, eu estava sendo intimado a participar daquela papagaiada tropical.
Não que eu não fosse capaz de perceber a beleza daquele fim de tarde. Eu gosto do sol, gosto da praia e o Rio de Janeiro provavelmente é mesmo a cidade mais bonita do mundo no auge do verão. Mas naquele momento preferia que a praia estivesse vazia e que a juventude deixasse o sol se pôr em paz. Comprei uma lata de cerveja morna e a ergui na direção dos dois casais como quem faz um sinal de brinde ou como quem diz: “Fodam-se”.
Finalmente percebi que o sol estava com pressa de ir embora e se afundava atrás da linha do mar numa velocidade assustadora, que nem um pobre coitado que corre para a privada em meio ao desespero de uma dor de barriga. Parecia envergonhado, sem entender todo aquele mimo. Acho que ainda o escutei resmungar enquanto sumia no horizonte: “Eles que aguardem os próximos capítulos do aquecimento global”.
Zé McGill
Atravesso a ciclovia e dou logo de cara com a primeira madame de bunda murcha conduzindo seu poodle branco e perfumado. Sempre detestei poodles. É sem dúvida o cachorro mais escroto do mundo, com seu rabinho de pompom de animadora de torcida de futebol americano. E o Leblon está infestado deles. Da atendente da loja de sucos ao magnata proprietário da cobertura, são todos poodles.
Mas eis que surge a primeira morena gostosa trotando na minha frente com um short branco colado na bunda. Rêgo balançando, fones no ouvido. Fiquei tentando adivinhar o que ela estaria escutando. Provavelmente alguma coletânea do Oswaldo Montenegro e Oswaldo Montenegro é chato pra caralho, mas foda-se. Fui seguindo a bunda até Ipanema.
Lembrei da minha cena predileta de todos os tempos do cinema nacional, quando o José Wilker leva a Vera Fischer pra dar uma trepada no Alto da Boa Vista em “Bonitinha, Mas Ordinária”. De repente, no meio da foda, aparece um indigente gritando “Eu também quero, eu também sou filho de Deus!”. E o casal foge. A Vera tapando os peitos com o braço.
Olhei de novo pra bunda da morena e comecei a pensar: porra, eu também sou filho de Deus. Vou chegar e dizer isso pra ela... “Eu também quero! Eu também sou filho de Deus!”. No máximo corre o risco de ela achar que eu estou vendendo bíblias. Apertei o passo, já quase em Ipanema, colei nela e falei a frase do indigente, me aproveitando do fato de que ela não escutaria nada com o fone no ouvido.
“Oiii???”, ela respondeu tirando o fone. Na mesma hora, chega de patins o Menino do Rio - diretamente da letra do Caetano Veloso, com dragão tatuado no braço e tudo. Dá um selinho na morena e fica me olhando com cara de cu. Fui andando pelo calçadão, pensando no Oswaldo. O Montenegro. O cara come a Paloma Duarte. Tá melhor que o Menino do Rio.
Já eram oito da noite e o sol ainda estava se pondo. A luz dava um clima de fim de festa e o céu estava cheio de cores. Eu que sou daltônico vi o céu laranja e a areia meio verde. Numa boa, é um privilégio ser daltônico. Além de enxergar essa psicodelia de cores, o sujeito ainda pode ser liberado do exército e tirar dez na prova de geografia porque não tem condição de colorir o mapa. Comigo foi assim.
Mas o sol estava se pondo e eu ia me aproximando do Posto 9, o reduto sagrado da juventude bronzeada carioca, na praia de Ipanema. É lá que você precisa atravessar um labirinto do estilo Minotauro pela areia pra conseguir chegar até a água e dar um mergulho num dia de calor. É lá que a nossa juventude apresenta seu tórax apolíneo e desfila sua coxa bombada de acadêmia. É lá que o sol nasce para quase todos. É o oasis da maconha e da punheta. O maior barato. Dizem que a culpa de tudo isso é do Gabeira, que no final dos anos 70 desfilava pela área com uma micro-tanga para expressar toda a sua liberdade e masculinidade.
E então aconteceu. Aplausos. O Posto 9 inteiro aplaudindo o pôr-do-sol e eu ali presenciando aquilo com a calça jeans grudada nas pernas, ensopadas de suor. Todos batendo palmas em direção ao astro-rei no maior alto astral. Um espetáculo de reverência à natureza. Parecia que de repente o mundo havia sido tomado por pessoas sensíveis. O cara da barraca de bebidas abraçava o vendedor de queijo coalho como dois estranhos se abraçam no Maracanã na hora do gol do Flamengo. Apitos soavam por toda a orla estimulando a revoada de dúzias de pombos, e uma turista norueguesa enxugava os olhos marejados de emoção.
Precisava tanto? Me perguntei. Aquilo tinha um ar de ato final de tragédia grega protagonizada pelos atores errados. A fauna da Zona Sul do Rio, enquanto emporcalhava a areia e o mar com copos de plástico e sacos de biscoito Globo, brindava o crepúsculo numa celebração duvidosa. Nisso olho para o quiosque ao lado e noto que dois casais com taças de champagne nas mãos estavam me fitando, como se perguntassem entre eles: “Por que ele não está aplaudindo também? Cara estranho”. Ao mesmo tempo tive vontade de rir e vomitar. Ou seja, eu estava sendo intimado a participar daquela papagaiada tropical.
Não que eu não fosse capaz de perceber a beleza daquele fim de tarde. Eu gosto do sol, gosto da praia e o Rio de Janeiro provavelmente é mesmo a cidade mais bonita do mundo no auge do verão. Mas naquele momento preferia que a praia estivesse vazia e que a juventude deixasse o sol se pôr em paz. Comprei uma lata de cerveja morna e a ergui na direção dos dois casais como quem faz um sinal de brinde ou como quem diz: “Fodam-se”.
Finalmente percebi que o sol estava com pressa de ir embora e se afundava atrás da linha do mar numa velocidade assustadora, que nem um pobre coitado que corre para a privada em meio ao desespero de uma dor de barriga. Parecia envergonhado, sem entender todo aquele mimo. Acho que ainda o escutei resmungar enquanto sumia no horizonte: “Eles que aguardem os próximos capítulos do aquecimento global”.
Zé McGill
7 comentários:
foda-se...
Já tinha lido este texto, seu maluco. Acho muito boa a idéia da revista!!! FODA-SE!!!
legal Zé, uheheuehe vim aqui dar uma olhadinha, vc vai postar sempre? legal, vou colocar em favoritos hahahaha
beijocas
e esse texto muito divertido, imagino a cara do maluco quando chegou o grandão e beijou a mulher hehehe
maneiro zé
gostei mesmo do texto
abraço
Foda-se!!!!
Tenho que confessar que estava lá também.....saí mais cedo do trabalho e fui correndo me energizar no sol...estava entre os que batiam palmas...tenho até uma foto do sol se pondo no meu telefone móvel!
Naquela tarde estava mesmo querendo mandar todos se fuderem, mas o sol me imobilizou.....FOI FODA!!!!!!
Beijim
Dá até vontade de voltar a escrever. Lembra?
Parabéns, muito FODA.
Miguel - Cadê o Blog Al Babil???
Bruna - Valeu! tento postar uma vez por semana... às vezes, não rola...
Marcelo - Valeu 507-A!!
Carlinha - Que mania feia moça... vou mandar o Mumú Malícia lhe aplicar um corretivo... huhuhu. BJ!
Fabiola - Valeu! Lembro sim. Cadê? Morreu? Bjs, Dr. Shweitzenstaiger
Postar um comentário