João João era um bandido que metia medo em todo mundo. A barba precisamente aparada, o terno marrom sempre alisado com ferro quente e aquele cabelo negro brilhante que nunca escorria eram as bandeiras do temperamento gelado que carregava. Ninguém sabia o motivo da cicatriz que dividia sua cara redonda em dois hemisférios: no sudoeste, a boca amordaçada pelo corte. No nordeste, olhos infinitos.
Estava faminto quando adentrou a taberna naquela noite fria. Colocou o revólver sobre o balcão, tirou o terno e pediu um ovo estrelado com duas fatias de bacon. Sentou-se e abriu bem as narinas para aspirar o cheiro quente de sua refeição, que já flutuava pelo salão. O rádio de pilha tocava um blues dos anos 1930 que falava sobre o encontro de alguém com o diabo numa encruzilhada.
Sentado ao seu lado, um forasteiro franzino engolia calmamente a cerveja morna que descia da caneca de vidro. Tinha um olho cego embaçado, o outro no revólver de João João, que dormia sobre o balcão. Acabara de chegar na cidade e estava à procura do assassino de seu irmão. Agora que o encontrara, sentado logo ao lado com aquela cicatriz indefectível, refazia seu plano de vingança.
O forasteiro ouvira dizer que o ponto fraco de João João residia justamente nos deboches que seu nome composto inspirava, mesmo que ninguém na cidade tivesse coragem de proferir os tais deboches na sua presença. Portanto, foi por este caminho que o forasteiro iniciou o ataque quando o ovo estrelado e os bacons pousaram no colo de seu adversário.
“Boa noite, estranho, qual é a sua graça?”
“E quem é que deseja saber?”, retrucou João João, salgando o ovo sem olhar para o forasteiro.
“Ora, vamos, meu caro. Só estou tentando puxar conversa nesta noite vazia. Você pode me chamar de Zezé”.
João João largou os talheres de metal sobre o prato e finalmente o encarou.
“Me chamo João João”, respondeu, com o bacon entre os dentes.
“Pfff... João João!”, exclamou o forasteiro explodindo numa gargalhada maliciosa e esguichando cerveja por entre os lábios semi-cerrados antes de concluir: “Que raio de nome é esse!?”
Estava faminto quando adentrou a taberna naquela noite fria. Colocou o revólver sobre o balcão, tirou o terno e pediu um ovo estrelado com duas fatias de bacon. Sentou-se e abriu bem as narinas para aspirar o cheiro quente de sua refeição, que já flutuava pelo salão. O rádio de pilha tocava um blues dos anos 1930 que falava sobre o encontro de alguém com o diabo numa encruzilhada.
Sentado ao seu lado, um forasteiro franzino engolia calmamente a cerveja morna que descia da caneca de vidro. Tinha um olho cego embaçado, o outro no revólver de João João, que dormia sobre o balcão. Acabara de chegar na cidade e estava à procura do assassino de seu irmão. Agora que o encontrara, sentado logo ao lado com aquela cicatriz indefectível, refazia seu plano de vingança.
O forasteiro ouvira dizer que o ponto fraco de João João residia justamente nos deboches que seu nome composto inspirava, mesmo que ninguém na cidade tivesse coragem de proferir os tais deboches na sua presença. Portanto, foi por este caminho que o forasteiro iniciou o ataque quando o ovo estrelado e os bacons pousaram no colo de seu adversário.
“Boa noite, estranho, qual é a sua graça?”
“E quem é que deseja saber?”, retrucou João João, salgando o ovo sem olhar para o forasteiro.
“Ora, vamos, meu caro. Só estou tentando puxar conversa nesta noite vazia. Você pode me chamar de Zezé”.
João João largou os talheres de metal sobre o prato e finalmente o encarou.
“Me chamo João João”, respondeu, com o bacon entre os dentes.
“Pfff... João João!”, exclamou o forasteiro explodindo numa gargalhada maliciosa e esguichando cerveja por entre os lábios semi-cerrados antes de concluir: “Que raio de nome é esse!?”
Os outros clientes da taberna, que até então acompanhavam o diálogo entre João João e o forasteiro de olhos arregalados, encolheram-se em seus cantos, provocando um súbito silêncio, apesar do som do rádio e da gargalhada escandalosa que ecoava pelo salão.
Agora de pé, João João passou a mão no revólver e apontou na direção do forasteiro. Sua alma embriagada de cólera desfizera as manias mais excêntricas de sua frieza e uma mecha do cabelo negro e brilhante agora pendia patética sobre a testa em brasa.
“É nome de sujeito homem”, trovejou João João. “Nome de matador, seu filho de uma puta. E tira esse sorriso da cara senão eu te meto chumbo agora mesmo!”
O forasteiro descansou a caneca de vidro sobre o balcão e limpou o sorriso com a manga da camisa. Foi ali que o dono da taberna, um tipo obeso e de bigode ruivo, apresentou Marieta, a escopeta que ficava escondida do outro lado do balcão. Não precisou dizer nada. Bastou apontar, com o cano da arma, o caminho da rua.
Lá fora, o vento corria rasteiro, sujando de poeira o couro das botas de João João. A estrada de terra que passava na frente da taberna dormia deserta no mais negro breu. A única testemunha do duelo que se anunciava era a luz fraca da lamparina de querosene, que dançava preguiçosa na porta da taberna. Nenhum dos clientes teve peito de meter a cara na janela.
João João, que saíra primeiro, empunhava o revólver com raiva. Tanta raiva, que o suor da palma de sua mão tornara escorregadia a coronha do revólver. Seus olhos procuravam a silhueta do forasteiro no meio da escuridão, mas o que avistaram foi a caneca de vidro rolando na direção das botas sujas e derramando o resto de cerveja morna sobre a areia. Nenhum sinal do forasteiro, até que sentiu a garganta sendo esmagada por um braço e a barriga espetada pela ponta de um facão. O revólver de João João quicou pela estrada.
“Vou fazer um X na tua cara, completar o serviço que meu irmão começou”, disse o forasteiro, soltando um bafo quente na parte posterior da orelha de João João.
“Mate-me agora, ou morra depois, seu pedaço de merda”, grunhiu João João.
“Não... prefiro te deixar caminhar por aí, com um X na cara, pra completar a desgraça que esse teu nome ridículo já te traz. João João... pfff. Que nome escroto.”
O facão viajou fundo, do noroeste ao sudeste da face de João João. Deitado em frente à taberna, com o rosto coberto de sangue, ele escutou as gargalhadas e os gritos cada vez mais distantes do forasteiro, que sumiu para sempre no breu da estrada: “João João! Teu nome é tua sepultura! Tua sepultura, João João!”
Agora de pé, João João passou a mão no revólver e apontou na direção do forasteiro. Sua alma embriagada de cólera desfizera as manias mais excêntricas de sua frieza e uma mecha do cabelo negro e brilhante agora pendia patética sobre a testa em brasa.
“É nome de sujeito homem”, trovejou João João. “Nome de matador, seu filho de uma puta. E tira esse sorriso da cara senão eu te meto chumbo agora mesmo!”
O forasteiro descansou a caneca de vidro sobre o balcão e limpou o sorriso com a manga da camisa. Foi ali que o dono da taberna, um tipo obeso e de bigode ruivo, apresentou Marieta, a escopeta que ficava escondida do outro lado do balcão. Não precisou dizer nada. Bastou apontar, com o cano da arma, o caminho da rua.
Lá fora, o vento corria rasteiro, sujando de poeira o couro das botas de João João. A estrada de terra que passava na frente da taberna dormia deserta no mais negro breu. A única testemunha do duelo que se anunciava era a luz fraca da lamparina de querosene, que dançava preguiçosa na porta da taberna. Nenhum dos clientes teve peito de meter a cara na janela.
João João, que saíra primeiro, empunhava o revólver com raiva. Tanta raiva, que o suor da palma de sua mão tornara escorregadia a coronha do revólver. Seus olhos procuravam a silhueta do forasteiro no meio da escuridão, mas o que avistaram foi a caneca de vidro rolando na direção das botas sujas e derramando o resto de cerveja morna sobre a areia. Nenhum sinal do forasteiro, até que sentiu a garganta sendo esmagada por um braço e a barriga espetada pela ponta de um facão. O revólver de João João quicou pela estrada.
“Vou fazer um X na tua cara, completar o serviço que meu irmão começou”, disse o forasteiro, soltando um bafo quente na parte posterior da orelha de João João.
“Mate-me agora, ou morra depois, seu pedaço de merda”, grunhiu João João.
“Não... prefiro te deixar caminhar por aí, com um X na cara, pra completar a desgraça que esse teu nome ridículo já te traz. João João... pfff. Que nome escroto.”
O facão viajou fundo, do noroeste ao sudeste da face de João João. Deitado em frente à taberna, com o rosto coberto de sangue, ele escutou as gargalhadas e os gritos cada vez mais distantes do forasteiro, que sumiu para sempre no breu da estrada: “João João! Teu nome é tua sepultura! Tua sepultura, João João!”
Zé McGill
*Trilha sonora para leitura: Me and the devil blues, de Robert Johnson.
Aqui o link pro vídeo, que é bem sinistro - http://www.youtube.com/watch?v=3MCHI23FTP8
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